O grande atrativo do mais recente livro do escritor paulistano Santiago Nazarian, Veado Assassino, lançado pela Companhia das Letras, é a forma da narrativa. Para contar a história de Renato, um adolescente gay de 16 anos que matou o presidente de extrema direita que estava no poder, o autor utiliza somente diálogos entre o jovem e um interlocutor misterioso.
O leitor tem acesso a tudo o que se refere ao personagem central por meio da conversa que Renato trava com esta outra pessoa, que só será desvendada nas últimas páginas. Assim o leitor precisa montar as peças do quebra-cabeça para entender como tudo aconteceu. Na contracapa do livro, a escritora paulista Andréa del Fuego define bem a obra:
“Santiago Nazarian coloca em colisão duas vozes, a de um adolescente que fetichiza o ódio e a de uma instância que perscruta os seus atos, ambas tão trepidantes e incertas quanto a história recente do país”.
Roteirista de cinema, tradutor de várias obras e autor de romances, dentre eles Mastigando humanos, Biofobia, Neve negra e Fé no inferno, este finalista dos prêmios Jabuti, Oceanos e Machado de Assis, Santiago Nazarian escreveu Veado Assassino durante a pandemia e confessou que o processo criativo foi veloz, escreveu o livro em poucas semanas, como um desabafo sobre o momento histórico que vivemos no último governo federal.
“ o que quer que eu conte?”
“O que tiver para contar. A sua história…”
“Minha história é longa…”
“Não pode ser tanto, pela sua idade…
“Bem, antes de tudo, prazer.”
“Renato”
“… o menino que matou o presidente.”
[Dá de ombros] “Já é alguma coisa…”
É desta forma direta, sem rodeios, que a entrevista entre Renato e o outro acontece. Não há filtros ou censura, o interlocutor consegue estabelecer uma relação amigável com o rapaz, que lhe conta tudo, desde sua infância na Barra da Lagoa, em Florianópolis/SC (ele não gosta de praia), a mudança da família para o continente, em Palhoça, sua relação com cada parente — o pai Luís Inácio Silveira, negro e dono de um bar, a mãe Dilma, branca, professora, e o irmão Renan, hoje irmã trans, Renata —, seu crush/paixão da infância, sua adoração por vídeo game e o grupo de amigos virtuais, além da vida restrita ao quarto de sua casa.
A conversa segue o fluxo do pensamento, assim Renato responde sobre o bullying que sofria na escola, sobre sua sexualidade (ou sua atração por homens, já que é virgem), sobre o ideário fascista e preconceituoso dos pais, a decisão da irmã de assumir a transsexualidade e sobre o racismo dos avós maternos. Não há uma sequência cronológica na conversa, os assuntos aparecem e o jovem vai discorrendo sobre sua trajetória e suas convicções sobre a vida, um tanto contraditórias já que não passa de um adolescente.
Até então, tanto Renato como o leitor desconhecem a profissão e a intenção do interlocutor, que pode ser um psicólogo, um advogado, um policial ou um jornalista. No entanto, ele faz questão de saber os bastidores do assassinato do presidente; pergunta com insistência como tudo ocorreu e se foi influência dos jogos da Internet — Renato fazia parte de um grupo de nerds com ideias assassinas e violentas. O autor mantém o suspense e a incógnita sobre o interlocutor quase até o final da narrativa:
“Isto aqui é como um sonho. Eu sou como uma voz da sua própria cabeça…”
E o personagem faz indagações, que remetem a questões existenciais sobre vida e morte, direitos e deveres, certo e errado. O desfecho é surpreendente. Santiago Nazarian constrói uma obra instigante, criativa, com temas contemporâneos que incitam a reflexão. E tudo por meio de diálogos!
Ficha técnica:
Título: Veado Assassino
Autor: Santiago Nazarian
Editora: Companhia das Letras, 112 pgs
Preço: R$ 69,90
Maurício Mellone é jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.
Foto em destaque de Santiago Nazarin: Renato Parada.
Demais imagens: divulgação.
Sem comentários