Geralmente em minhas resenhas literárias de autores brasileiros contemporâneos, dou preferência aos lançamentos editoriais. Mas como todos sabem, é impossível ler todas as obras lançadas e ter acesso a tudo. Com a escritora paulistana Aline Bei, vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura/2018, com seu livro de estreia O peso do pássaro morto, aconteceu exatamente isto.
No entanto, no mês passado, dentro do evento Arena da Palavra, pude participar de um bate-papo com ela e em seguida conheci sua segunda obra, Pequena coreografia do adeus, Companhia das Letras/2021. Fiquei encantado com seu estilo único, inovador que mistura prosa e poesia para contar a saga de Júlia Terra, uma jovem criada num lar em que os pais só brigavam e ela, logo que pôde, saiu de casa e só então conseguiu construir sua identidade. Com a ajuda da palavra, escrevendo seu diário.
Nascida em São Paulo/SP em 1987, Aline Bei é formada em letras pela PUC/SP e em artes cênicas pelo Teatro-escola Célia Helena. Ela confessa que sua experiência nos palcos a impulsionou para a literatura. Com seu primeiro romance conquistou prêmios e outras indicações, além de uma legião de fãs. Pequena coreografia do adeus é sua segunda obra e já apresenta um estilo próprio e criativo, ao trazer um olhar corrosivo sobre as relações familiares, o abandono e o amor.
O livro é dividido em três partes. Em Júlia, a autora descreve a infância da personagem e o dissabor de viver naquele lar rodeado de discussões dos pais e pela falta de carinho e afeto; o pai da garota sentia-se preso no casamento e a mãe não conseguiu superar a separação. Em Terra, a jovem já mora numa pensão, trabalha num café e consegue, à distância, compreender sua mãe e seu pai. O diário é seu grande aliado, desde a infância. E por último em Escritora, a personagem já está mais dona de si, mantém boa relação com a dona da pensão, assim como sua chefe no café (em contraponto com a péssima relação com a mãe) e começa a escrever de forma mais constante, sobre um personagem que guarda algumas semelhanças consigo, mas tem vida própria.
“eu ficava olhando a máquina (de lavar) trabalhar
chuá, chuá, chuá
por horas, se precisasse
e quem sabe um dia
eu também consiga
me desprender
das minhas amarras, quero fazer como essa
suavidade rítmica”
O que mais chama a atenção na obra é a forma com que Aline Bei escreve. Sempre na primeira pessoa, sua escrita é uma fusão entre prosa e poesia e tudo é dito de forma direta, sem subterfúgio. O drama da garota que vê o casamento dos pais ruir ou a dor que sofre pelos maus tratos da mãe são descritos sem rodeios.
“pra mim eles ficaram
duas estátuas no meio da praça: uma mulher de beleza
cinematográfica
e
um homem feliz que era meu pai sempre triste quando
estava ao meu lado
eu quis correr atrás deles”
“quando voltou somente com a Cinta
eu fiquei
bem mais calma
que bom que vai ser o de sempre
E Foi.
Um pouco mais longo que o normal.”
Nota-se que a autora, sempre que se refere a Júlia, usa um tipo de letra menor (eu). Os espaços, os silêncios, o uso de maiúscula no meio da frase, tudo é muito significativo na linguagem de Aline Bei. Quando Júlia começa a escrever a história de Ed, o texto é em prosa e impresso em italic, para o devido destaque. Tanto na primeira como na segunda parte do livro, o leitor passa a constatar o crescimento e amadurecimento da personagem. Ela precisou se afastar dos pais, conhecer e se relacionar bem com outras pessoas para se fortalecer e, assim, superar as próprias limitações. E principalmente dar vazão ao amor, a si mesma, ao outro e à vida!
Ficha técnica:
Título: Pequena coreografia do adeus
Autora: Aline Bei
Editora: Companhia das Letras, 282 pgs
Preço: R$69,90
Maurício Mellone é jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.
Foto em destaque de Aline Bei: divulgação.
Demais imagens: também divulgação.
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