Vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura/2023 como melhor romance (Não fossem as sílabas do sábado), a escritora paulistana Mariana Salomão Carrara acaba de lançar pela Todavia Editora sua mais recente obra, A árvore mais sozinha do mundo.
O livro foca o cotidiano de uma pequena família de agricultores de tabaco do sul do país: Guerlinda e Carlos, com as filhas Alice (adolescente), Maria (pré-adolescente) e o pequeno Pedrinho, lutam para manter a roça de tabaco livre das pragas para que assim as folhas possam crescer e ter a qualidade exigida pela indústria tabagista. Outra personagem presente é Elvira, mãe de Guerlinda, que é chamada sempre na ocasião da colheita. Eles ainda têm de lidar com as intempéries e oscilações da natureza. Como a autora enfatiza, “aqui vivemos o tempo do tabaco”.
Aos 38 anos, Mariana Salomão Carrara se divide entre a Justiça e a Literatura.
Formada em direito pela USP, é defensora pública. No entanto, sempre se dedicou aos seus escritos e já lançou cinco romances, dentre eles Se Deus me chamar não vou /2019, É sempre a hora da nossa morte amém/2021 e o premiado Não fossem as sílabas do sábado.
Neste novo livro, dividido em duas partes, o que mais chama a atenção é o recurso que Mariana utiliza para contar a saga dos pequenos agricultores de tabaco. Tudo é narrado por intermédio de objetos que fazem parte do cotidiano na família: o espelho lusitano que fala com o português de Lisboa e reflete a alma de quem fica a sua frente; a capa de proteção, que adora pulverizar a plantação e é usada pelas meninas; a velha caminhonete Rural, que como todo caipira simples fala com erros de gramática, mas adora a família que a utiliza e, por último, a grande narradora da história, a árvore que espia os humanos de cima e sempre tem um pensamento ou uma filosofia a expressar:
“Todos sabem a importância das árvores para os humanos, mas pouco se fala da importância das pessoas para nós. E o fato é que quero tanto a esta família, amparar seus futuros, propriedades, que bem preferia ser na verdade uma árvore genealógica. Uma genealogia do porvir.
…
“Quando os homens ajeitam meticulosamente sementes no chão, estão cultivando arremedos de nós”.
Os diálogos e falas dos personagens aparecem, mas a autora faz questão de que o enredo seja mesmo contado por meio dos objetos. A árvore, o espelho, a capa e a Rural têm sentimentos humanos e são observadores e ao mesmo tempo objetos daquelas pessoas. O leitor passa a saber quem é o narrador por meio da fala, cada um com o seu modo peculiar de se expressar. Impressiona a profundidade do olhar do espelho:
“Alice hoje está de bom humor. Agora olha-se no meu reflexo a perguntar-me, como sempre, se é bela o suficiente. Carlos de facto está naqueles dias em que saiu apenas metade dele da cama, cada movimento custa-lhe um ano de vida”.
A vida árdua e recheada de percalços do dia a dia de pequenos agricultores – clima e intempéries (falta ou muita chuva) e/ou pragas -, é uma constante no Brasil. Com Carlos e Guerlinda nada é diferente: eles enfrentam tudo como podem e sofrem com as exigências de atravessadores, distribuidores do tabaco e os industriais. O poder é representado por homens que fiscalizam a produção e a Rural, com sua fala particular, descreve tudo com precisão:
“Os homem com as prancheta nem bem parou a chuva já brotaro no meio da lavoura, o colono não tem um dia de paz. Na hora que era pra vim ajudar a tirar a dor de cabeça do veneno, arrumar a roda torta da cariola nessa hora não viero né”.
A questão do emprego de agrotóxico na lavoura também é levantada pela autora. Mas o problema vem à tona pela voz da capa de proteção, usada principalmente pelas filhas do casal. Carlos já apresenta sintomas físicos do uso constante e excessivo dos fertilizantes/agrotóxicos.
“Sou de longe a mais nova das capas de proteção. Então eu nunca pulverizei com um adulto, eu adoro pulverizar, é o máximo”.
…
“Tio Carlos faz sinal pra Maria levantar um pouco o braço que segura a ducha porque ela é mais baixinha e a distância do chão fica pouca. A mochila de remédio é muito pesada, coitada da Maria. Ela chama de veneno, o tio Carlos também, mas alguns gostam mais de falar remédio. Eu falo remédio”.
O destino daquela família vem aos poucos sendo anunciado pelos objetos, o leitor percebe que algo de trágico está por vir. O ritmo com que a autora imprime para apresentar o desfecho da trama chama a atenção e o título da obra é justificado nas últimas linhas. Com um sabor de fábula, a trama é envolvente e prende a atenção até o final.
Ficha técnica:
Título: A árvore mais sozinha do mundo
Autora: Mariana Salomão Carrara
Editora: Todavia, 208 pgs
Preço: R$69,90
Maurício Mellone é jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.
Foto em destaque de Mariana Salomão Carrara: Renato Prada.
Demais imagens: divulgação.
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