O prato do dia. Por agda

– Olga, sopa com tomates secos.

Já sabia que ele não tinha tido um dia bom, sopa com tomates secos não era um bom sinal.

Outro dia:

– Olga, banana assada com muita canela e pouco açúcar.

Esse era um dia de bom humor.

Às vezes ele chega e solta:

– Olga, café.

Já sabia!  Eram problemas com os filhos.

Seu Antenor é um homem bom, apesar de poucas palavras e uma vida bem corrida.

Todos os dias, meu horário é de seis e meia da manhã, às seis e meia da noite. Ele mal entra em casa, diz meu nome e o que quer para jantar. Olga e o prato, Olga e o nome de um suco, Olga e uma sobremesa.

Já imaginei, algumas vezes, meu sobrenome como sendo o nome das comidas que ele fala. Por exemplo:

Olga Macaxeira,

Olga Vinagrete,

Olga Berinjela.

Há dez anos trabalho para ele e as únicas coisas que ele sabe de mim é o meu nome e onde moro.

Divorciado, homem cheio de manias e toques. Três filhos. Vida social quase nula.

Ontem, ele chegou e disse:

– Olga, uma salada com frutas.

Com certeza tinha sido um dia proveitoso, de bons negócios.

Outra vez, veio todo molhado de chuva da rua e então:

– Olga, uma torta de abacaxi.

Faço as minhas obrigações e respeito o espaço de Seu Antenor. Ele nunca abre a geladeira e poucas vezes o vejo pela casa; sempre que chega, vai direto para o escritório e quando vou embora, ele ainda fica lá.

De manhã, arrumo a cama dele. É o homem mais organizado que conheço. Pega o café na garrafa e sai; às vezes parece invisível, sai sem que eu perceba. Conheço ele como ninguém! Pelo prato que pede, sei seu estado emocional.

Hoje um fato estranho aconteceu. Ele disse:

– Olga…

E eu não entendi o final da frase.

Tentei adivinhar pelo tom da voz, qual prato comeria e fiquei repetindo em voz alta o jeito que ele disse meu nome: Olgaa, O – L – GA… Foi devagar e com o final mais estendido…

Talvez tenha sido ensopado de cenoura, mas eu teria ouvido pelo menos o final da frase por ser grande o nome do prato.

Mas esse estado de espírito pode ter sido:

– Olga, suco de manga ou torradas com chá.

Fiz todas opções que pensei ser e, pela primeira vez, bati na porta do escritório por não entender o que ele tinha pedido.

– Seu Antenor, desculpe interrompê-lo, não quero atrapalhar, mas não entendi o que o senhor vai querer para hoje, pode repetir por favor?

– Olga…  Um abraço.

Sobre agda

agda contou-me que o seu nome significa boa pessoa. Que assim seja. O mundo anda precisadíssimo de gente fina, elegante e sincera.  

agda é movedora cultural.

Mexe-se entre poesia, música, teatro, cinema e arte-educação.

Nasceu na última década do século 20 em Santa Cruz do Capibaribe, a terra das Gameleiras, no Agreste de Pernambuco. É filha, neta e bisneta (maternalmente) de costureiras e de poetas (paternalmente).

Criadora do Chocalho (onde também é diretora) e do Lamparina, ocupações artísticas culturais.

Participa da REVERBO, mostra de música autoral pernambucana, e é, também, agente cultural do Sítio Alcobaça.

PS: o conto acima é de 2013.

PS2: e Redemoinho, a faixa abaixo, é do primeiro disco de agda, batizado de agda e lançado em 2022. Decidi misturar as bolas (texto + música) porque ela é multifacetada e eu a estou decifrando agora (mixar é preciso, a natureza do caso pede).

E escutando o álbum, a cena que me veio – imediatamente – à cabeça foi: eu criança ouvindo com meu pai e seus irmãos, meus tios, o LP Ave de Prata, maravilha de estreia de Elba Ramalho. Era 1979 e aquele mesmo Nordeste revisitou-me como um trovão. agda provoca essas coisas agrestes, vicerais. Estávamos na sala de visitas do casarão da Rua de São Bento, nº 268, em Olinda.

Garota, quem inventou o tempo?

Foto em destaque de agda: Jozé Laurentino.