Quem lembra da canção São São Paulo, Meu Amor, também cantada como São São Paulo, Mon Amour, de Tom Zé, que venceu o 4° Festival de Música Popular Brasileira, em 1968?
Enquanto esperava um uber, torcendo para que o motorista não gostasse de conversar com passageiros, cantarolava:
São oito milhões de habitantes
De todo canto e nação
Que se agridem cortesmente
Correndo a todo vapor
E amando com todo ódio
Se odeiam com todo amor
Dei sorte. Até chegar ao meu destino Museu do Ipiranga, poderia observar, em silêncio, pela janela lateral do banco de trás do carro, a Aglomerada solidão da cidade, hoje com 21.518.955 de habitantes (área metropolitana, IBGE, 2024). Tudo parece excessivo em São Paulo. E é. Os não-lugares da cidade, que Marc Augé chamou de lugares em que as pessoas se deslocam sem sentimento de pertença, estão densos em opulência e fome.
O Museu do Ipiranga é uma das opulências paulistanas. Desde criança, este Museu é para mim a representação ingênua (que quero mantê-la) da cidade de São Paulo. Quem prestou Exame de Admissão ao Ginásio, entre 1931 e 1971 (período em que essa obrigatoriedade legal existiu), deve se lembrar dos livros didáticos homônimos ao Exame, sobretudo nos anos 1950-1960. Na parte final do livro preparatório, havia um número de pranchas coloridas, numa delas o Museu do Ipiranga, para que os candidatos ao vestibular infantil preparassem composições.
O Brasil, à época, ainda construía caminhos ao desenvolvimento da indústria cultural no país, o que permitia àquelas pranchas terem uma importância significativa às crianças, sobretudo nas cidades interioranas, pelo contato imagético com um mundo que pouco (ou quase nada) tinha a ver com seu universo cotidiano. Talvez, por isso, essas imagens ficaram indeléveis na memória! O Museu do Ipiranga passou, como diria Sampa, a ser a minha mais completa e singela tradução de São Paulo.
Depois de nove anos de reforma, o Museu do Ipiranga foi reaberto em 2022. Todo o complexo do Museu está impecável: o grandioso edifício, projeto em estilo eclético do arquiteto italiano Tommaso Gaudenzio Bezzi, construído entre 1885 e 1890, comemorativo à Proclamação da República; o Jardim do Parque da Independência, à la Versailles, do paisagista belga Arsênio Puttemans – belíssimo em sua concepção cartesiana; e o suntuoso Monumento à Independência, em granito e bronze, do italiano Ettore Ximenes, erguido no local em que, supostamente, D. Pedro I proclamou o Grito da Independência.
O Museu do Ipiranga é um lugar apinhado de gente de todas as gerações, um alívio em tempos de redes sociais ainda tão descultas. É um lugar também de passagem, não há espaço para contemplação detida das obras de arte e objetos históricos, particularmente aqueles relativos a São Paulo e à Independência do Brasil. Passamos por ele, como automóveis pelas avenidas da cidade.
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Mas o melhor momento estava para acontecer: vejo, pela primeira vez, o quadro Independência ou Morte, de Pedro Américo, de 1888, restaurado recentemente e exposto no Salão Nobre do Museu do Ipiranga. Todos nós que estudamos história em livros didáticos, temos uma intimidade com essa obra de arte, de 7,6 metros de comprimento, por 4,15 metros de altura. Cena pictórica reproduzida perfeitamente em movimento no filme Independência ou Morte, de 1972, direção de Carlos Coimbra.
Subo até o Mirante do Museu, de onde se vê o céu mais aberto de São Paulo e repito a poesia de Tom Zé:
São São Paulo, meu amor
Porém com todo defeito
Te carrego no meu peito
Bairro de Campos Elíseos, São Paulo, janeiro de 2025.
Expediente:
Museu do Ipiranga
Rua dos Patriotas, 100, Ipiranga, São Paulo, SP – CEP: 04207-030.
Horário de funcionamento: de terça a domingo, das 10 às 17h. Última entrada: 16h.
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Ele é Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, com pós-doutorado em História e Cinema pela Universidade Nova Lisboa.
Imagem de abertura do texto, acrílica sobre tela de 2025, 23cm x 17cm, pintura assinada por Angelo Brás Fernandes Callou: divulgação.
Imagem do autor do texto: divulgação.
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