O multiartista Lázaro Ramos volta à carga e lança Na nossa pele, livro editado pela Objetiva, em que redimensiona pensamentos e questões raciais. Como subtítulo, Continuando a conversa, ele faz alusão ao hoje considerado um best seller, Na minha pele, lançado em 2017, obra em que ele usa de fatos de sua vida para falar sobre racismo, preconceito e principalmente de identidades.

Desta vez o escritor, ator, diretor, produtor e apresentador volta a se utilizar de suas experiências como artista, mas faz um misto com conceitos e ideias de personalidades negras, como Maya Angelou, bell hooks, Martin Luther King, Malcom X, Maria Beatriz Nascimento, além de sua madrinha, tios e sua mãe, Célia Maria do Sacramento, que ganha realce logo nas primeiras páginas.

Premiado no teatro, cinema e TV, o baiano Lázaro Ramos nasceu em 1978 na Ilha do Paty, do distrito de São Francisco do Conde, a 72 km de Salvador. Começou a escrever para crianças com Velha Sentada/2010; depois vieram outros como Caderno de rimas de João/2015, Caderno sem rimas de Maria/2018 e Você não é invisível/2022 voltado ao público juvenil, além de Na minha pele, sua estreia na literatura adulta, e Medida provisória: diário do diretor/2022, sobre o longa-metragem que dirigiu.

Célia Maria do Sacramento, mãe do Lázaro, em grafite de Nila Carneiro*.



Grafite da artista plástica Nila Carneiro com o rosto de Célia Maria do Sacramento, mãe do Lázaro; esta ilustração está no apartamento em Salvador que hoje abriga uma ONG que assiste a pessoas que sofreram com trabalho escravo. (este apartamento Célia  trabalhou e o Lázaro comprou)


Com 128 páginas, Na nossa pele é dividido em nove capítulos curtos: Minha mãeEunumjátedisseDiálogosViolência versus amorPoética do acolhimento estratégico ativoConexãoPoderEmancipação e Epílogo, que contém o Conto do juízo inicial. Com uma linguagem direta, fluida, Lázaro escreve como se estivesse diante do leitor, faz perguntas enquanto discorre sobre as ideias apresentadas e em vários momentos faz referência a si próprio (E lá vai Lazinho com mais um causo).

Se você já leu meu primeiro livro, já sabe. Se não, vai se acostumando que aqui tem uns vômitos de palavras, mudança no rumo da prosa e retorno em outro ponto, mas a base toda é conversar. Faço perguntas para você se fazer durante esta viagem, uso palavras simples, às vezes dou uma empolada — tudo tentando reproduzir o fluxo de um bate papo.”

Entretanto, antes de começar a “viagem”, o autor retoma um tema que deixou de lado na primeira obra. A importância de mãinha em sua formação, a figura humana que ela era. Lázaro confessa que hoje, mais maduro, pode reexaminar a história dela, inclusive as dores e injustiças por que passou — a cena recuperada num pesadelo em que presenciou, aos 7 anos, sua mãe sendo humilhada pela patroa comove profundamente. Ele relata a morte precoce  de Célia Maria, com pouco mais de 40 anos quando ele tinha só 18, dedica o livro a ela e afirma que quer falar sobre o silenciamento.

Como um homem preto que ascendeu, quero falar sobre minha recusa em ser o que as estatísticas sugerem sobre pessoas como eu. Sim, quero falar sobre construção social, sobre comportamentos que são aceitos para uns e negados para outros. Sei que este começo é duro de ler, mas decidi que, ao final, oferecerei a você um caminho mais luminoso para nós, humanos errantes.”

Com a citação de várias personalidades negras (com o devido crédito e fonte para mais informações), Lázaro vai no decorrer da obra trazendo princípios e ideias fundamentais para uma reflexão sobre a convivência neste Brasil (das imensas desigualdades sociais) e neste mundo polarizado atual. Diz que tanto o acolhimento quanto a virulência e a fala incisiva podem ser estratégicos:

Mas dentro disto há outra meta: não ser desleal, desonesto ou esquecer das grandes lutas que temos que travar. Esse é um princípio.”

Ficaria aqui, nesta resenha, enumerando diversas ponderações e argumentos do autor, como sua definição de arte, poder, civilização. No entanto há um trecho do livro que sintetiza o ideário de Lázaro, seu modo de ver o mundo:

Escrevo este livro querendo agregar e despertar o que há de melhor em nós. Precisamos retomar a nossa capacidade de compreender que o caminho é equidade, justiça, humanidade, valor à vida, respeito às diferenças que temos, indignação contra atos violentos, cuidado com o meio ambiente, proteção à infância e a retomada da alegria — mas não a alegria que anestesia.

Foto da ilustração de Ricardo Castro.

Ao final, Lázaro faz um breve perfil de sua mãe, com a ajuda dos depoimentos dos familiares que conviveram com ela. Mais do que a história pessoal de uma mulher preta que sofreu muito, mas que sobreviveu a cada dia, o autor relaciona a vivência de Célia Maria do Sacramento com a história de muitas pessoas, “o que ela passou é resultado de um projeto de país que, depois de escravizar uma população, tratou de criminalizar e animalizar tudo o que era preto. Ainda assim, minha mãe e tantas outras pessoas resistiram e se reinventaram”. Lázaro arremata  e faz um prognóstico:

Mas isto não basta. Não dá pra calar e nem nos acomodarmos. Em honra aos nossos ancestrais, para um futuro melhor pros nossos descendentes, mas também para um hoje de plenitude. É preciso ser o pássaro que voa para a frente enquanto olha para trás com uma semente em seu bico”.

E como prometeu, Lázaro Ramos fecha o livro com o Conto do Juízo Inicial, cujo subtítulo é Para tempos distópicos, uma ficção utópica: a história se passa em 2053 e as máculas e contradições do Brasil foram superadas graças a um projeto coletivo centrado na educação! Axé! Sem dúvida uma leitura imprescindível!

Ficha técnica:

Título: Na nossa pele

Autor: Lázaro Ramos

Editora: Objetiva, 128 pgs


Preço: R$69,90

Maurício Mellone

Maurício Mellone é jornalista com mais de 40 anos de estrada; fez e faz a carreira, majoritariamente, a partir da imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de comunicação.

Foto de Lázaro Ramos em destaque: Hypeness.

Foto do grafite de Célia Maria do Sacramento: divulgação.

Foto da ilustração de Ricardo Castro presente em Na nossa pele: Maurício Mellone.

Imagem da capa do livro Na nossa pele: divulgação.

Foto de Maurício Mellone: divulgação.

*A ilustração está no apartamento em Salvador, no qual Célia trabalhou e que Lázaro comprou. Hoje abriga uma ONG que assiste pessoas que sofreram com trabalho escravo.


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Maurício Mellone

Jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.

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