Ao entrar na arrojada Estação Lisboa – Oriente, projeto do arquiteto espanhol Santiago Calatrava, vejo uma pequena sala de corte de cabelos masculinos.
Decido entrar no salão (se é que podemos chamar assim ao exíguo e abafado espaço envidraçado), motivado pelo menu exposto na vitrina, que dizia: “Corte de cabelo simples – careca, 6€”. Esse é o meu lugar, pensei, além disso, o preço é camarada, pois não há muito o que fazer na cabeça de um careca.

No salão vitrina, os profissionais, por não falarem português, têm o inglês como ‘língua oficial’. A maioria deles é asiática.
Atendeu-me um jovem nepalês. Que me perguntou de pronto: “Buzz cut”? Foi quando tive a certeza do meu equívoco.
Corte careca (“buzz cut”), na versão lisboeta, é o corte a zero. Considerei literalmente a palavra careca, no sentido brasileiro. Acho que já estou aprendendo com os portugueses a compreender literalmente o que é dito ou escrito. E eles estão certos. Explico.
Na cidade de Queluz, numa bifurcação no caminho que me levaria ao Palácio de Queluz, onde estão localizados os antigos aposentos do rei, perguntei a um cidadão que parecia ter amanhecido às duas horas da tarde: por favor, para que lado fica Queluz. Respondeu-me: “Estamos em Queluz!”
Conclui rapidamente que Queluz não é metonímia do Palácio de Queluz, pois Queluz é mais antiga que o Palácio; e que, por desdobramento, considerei que os portugueses estão se lixando para reis e rainhas, ainda que eles estejam em todos os lugares de Portugal: nos palácios, nos castelos, nas marcas das ruínas, no Panteão Nacional, nos nomes de ruas e avenidas, nos monumentos, do que sobrou do terremoto de 1755.
E eu que exigi tanto dos meus alunos de mestrado que definissem sempre os conceitos escolhidos, caí na mesma esparrela. Aqui se faz, aqui se paga! Saí quase careca do salão oriental, para nunca mais voltar.
Lisboa, 5 de junho de 2025.

Ele é Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, com pós-doutorado em História e Cinema pela Universidade Nova Lisboa.
Imagem em destaque da Estação Lisboa – Oriente: Mário Rui André.
Demais imagens: divulgação.
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