É da ordem da delicadeza, o trabalho em aquarela e guache sobre papel da artista plástica Bete Gouveia, na exposição Enquanto Caminho, inaugurada no último dia 19, na Arte Plural Galeria, no Recife Antigo.

Enquanto caminho na areia úmida das telas da artista, vou refazendo meus próprios caminhos, pelas areias da infância na Ilha de Itamaracá. Foi quando vi o mar pela primeira vez. Praia repleta de conchas, as mais diversas, em tons aquarelados, um presente generoso deixado pela natureza, após a preamar.

Bete captura a beleza desses instantes, enquanto a maré se recolhe, por algumas horas. Aqui, um passarinho pousa na areia; acolá, um sargaço decora a paisagem. No meio do caminho, uma água-viva nos adverte sobre o sensível ambiente. É quando a frase poética de Caymmi faz todo o sentido: “Quem vem pra beira do mar, ai / Nunca mais quer voltar…”.

Os caminhos de Bete Gouveia pelas areias da praia são os caminhos dos que vêm para a beira do mar. Somos íntimos dessas linhas da costa, e temos cada vez mais uma memória afetiva e poética dessas paisagens, na medida em que a poluição mancha a cor neutra de suas areias. É quando me apercebo do discurso político da artista, sem que haja explicitamente nenhuma pincelada denunciante desse discurso. As obras não têm títulos. O observador é que deve perscrutar em si mesmo a relação da delicada pintura que vê com a depredação da natureza, em curso.

A presença humana nas areias das praias no Enquanto Caminho se apresenta por vestígios. Vestígios da mais pura alegria – como o lindo castelo de areia abandonado, possivelmente construído pelas crianças e seus pais, num dia de domingo –, ou da mais singela solidão: uma toalha vermelha estendida numa praia deserta, de humanos.

A maresia, a umidez da areia, o sal, as conchas, o sargaço, a água-viva, o castelo e a toalha são signos delicados que emanam das telas de Bete Gouveia para uma reflexão mais profunda sobre o simples na condução da vida humana hoje.

Angelo Brás Callou é professor titular do Departamento de Educação da UFRPE.

Foto da obra de Bete Gouveia: Angelo Brás Callou.

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Edgard Homem

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