A avenida estava interditada por causa do desfile cívico-militar. Ela desceu do ônibus antes do ponto e teve que seguir a pé. O sol forte, já no início da manhã, aumentava a sua indignação. Pegar uma praia no feriado era tudo que precisava.

Famílias inteiras chegavam ao centro da cidade para acompanhar o evento. Estudantes, segurando faixas e bandeiras, esperavam, concentrados na praça, o momento de desfilar no calorão. Ela nunca desfilou. Sabia de cor alguns trechos do hino impresso nos cadernos escolares. Achava bonito. Gostava de cantar “já raiou a liberdade no horizonte do Brasil”.

Seguiu caminhando pelo asfalto até a barreira de cavaletes que sinalizava o desvio do trânsito.  Passou entre os soldados da cavalaria, os Dragões da Independência, com seus uniformes inspirados na guarda de honra de Dom Pedro. Um deles chamou sua atenção. Será que assim como ela, o rapaz de olhar risonho desejava a brisa do mar? Sentiu o suor escorrer pelas costas, molhando a blusa. Subiu a calçada e apertou o passo para não chegar atrasada no serviço.  

Foi por pouco, mas conseguiu bater o ponto na hora certa. O expediente transcorreu sem novidades. Não queria que percebessem a sua enorme vontade de estar longe dali, curtindo o feriado. Sempre procurava ser útil, se empenhava ao máximo nas tarefas, pois temia entrar para o grupo dos desempregados. Aquela oportunidade havia caído do céu. Não podia arriscar.

Na saída do trabalho, encontrou a avenida livre para o trânsito. Sentou no ponto de ônibus, aliviada por não ter que andar três quadras novamente. A quantidade de lixo na rua chamou a sua atenção. Garrafas de água mineral, latas de refrigerante, restos de comida e até uma bandeirinha do Brasil. Dava para ver que a festa tinha sido grande, o que era natural depois de dois anos sem comemorações.

O Dia da Independência estava chegando ao fim. Observou, curiosa, os semblantes confortados de pessoas que vestiam verde e amarelo. Ficou assim, prestando atenção, por alguns minutos, até avistar o seu ônibus, que veio cheio, trazendo de volta os que haviam aproveitado a praia. Enfrentou o empurra-empurra, com areia pinicando a sua pele, até encontrar um assento ao lado da porta traseira. 

Daniella Freitas é jornalista e contista.

Fotos: divulgação.

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Daniella Freitas

Natural do Recife, é jornalista de formação e contista por necessidade.

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