Comprou um bloco de notas adesivas azul neon. Queria colocar em prática uma ideia para animar o filho, que havia sido pego de surpresa por uma dispensa repentina. Seu filho vivia uma espécie de luto pela perda do emprego, e ela sabia bem o que era isso. Já tinha sido demitida mais de uma vez.
No dia em que foi dispensado, ele lhe disse que havia recebido, do chefe, o bilhete azul. Não. Aquela situação difícil podia estar associada a qualquer cor, menos ao azul. Talvez a expressão colorida mais adequada à ocasião fosse “cartão vermelho”. O jogo para ele, naquela empresa, tinha chegado ao fim.
Azul era a cor do planeta Terra, do céu, do mar, do vestido que ela usava naquele exato momento. “O amor é azulzinho”, assim disse o poeta Djavan, e assim ela acreditava. O azul nunca foi triste.
Para dar força ao filho, começou a espalhar bilhetes azuis pela casa. Em cada cômodo, uma mensagem diferente. Não foi fácil escolher os dizeres, entre tantos azuis escritos, declamados e cantados.
Na estante do quarto, o pedacinho de papel trazia o verso de Manoel de Barros: “O azul me descortina para o dia”. No espelho do banheiro, a letra de Tim Maia: “Ver na vida algum motivo pra sonhar, ter um sonho todo azul, azul da cor do mar”.
Para o bilhete da varanda, ela escolheu a frase de Thiago de Mello “Quem não gosta do azul do voo, perde o poder de pássaro”. Já o trecho do poema de Mário de Sá-Carneiro “Um pouco mais de sol – eu era brasa, um pouco mais de azul – eu era além” foi colado na porta da geladeira com o reforço de um íman no formato de maçã.
O último papelzinho ficou estrategicamente na porta de entrada. Era a mensagem de Caio Fernando Abreu “E tudo é natural, basta não teres medos excessivos – Trata-se apenas de preservar o azul das tuas asas.” Foi o primeiro bilhete lido pelo filho, ao chegar em casa. Ele voltava de uma entrevista de emprego, e iria esperar a resposta do recrutador naquela atmosfera azul. Coisas de mãe.
Imagem em destaque: colhida do site Devaneios Pessoais, de Kaoru Gabriel.
Foto de Daniella Freitas: Divulgação.
Sem comentários