Cordilheira: romance premiado do escritor paulista Daniel Galera. Por Maurício Mellone

Livro da Companhia das Letras faz parte da coleção Amores Expressos, em que escritores brasileiros escrevem tramas ambientadas em várias cidades do mundo. A obra de Galera se passa em Buenos Aires

Vencedor do Prêmio Machado de Assis de Romance, concedido pela Fundação Biblioteca Nacional, Cordilheira de Daniel Galera, lançado pela Companhia das Letras, integra a coleção Amores Expressos em que escritores brasileiros ambientam suas histórias de amor em diversas cidades pelo mundo. O escritor paulista, que construiu sua carreira no sul do país, criou sua história em Buenos Aires.

Autor de Dentes guardados/2001, Mãos de cavalo/2006, Barba ensopada de sangue /2012, Meia-noite e vinte/2016 e O Deus das avencas/2021, Daniel Galera é conhecido por narrar suas histórias pela perspectiva do universo masculino. No entanto em Cordilheira, a personagem central e narradora é Anita, uma escritora que acaba de romper uma relação amorosa e, abalada com o suicídio de uma grande amiga, resolve aceitar o convite da editora para o lançamento da tradução argentina de sua obra e passar uma temporada em Buenos Aires.

O livro é dividido em três partes: Como água, praticamente um prólogo, Mamihlapinatapai — termo indígena que o leitor vai entender somente no final da trama —, que compreende quase a totalidade da história e Fique para sempre, um epílogo curto. Uma das características de estilo do autor fica logo aparente: a morte da mãe de Anita assim como a do pai dela são relatadas sem rodeios ou sentimentalismo:

“Quase nenhum leitor sabia que minha mãe morreu no parto e que meu pai enfiou o carro num poste quando eu ainda tinha vários capítulos pela frente.”

Desta forma direta, com uma linguagem fluida, a trama vai discorrendo. Anita resolve passar uma temporada na Argentina depois de ficar abalada com o suicídio de uma grande amiga e de ter rompido com Danilo. Enquanto ela deseja ardentemente engravidar, o namorado acha que este não é o momento ideal e a incentiva a retomar a carreira de escritora.

O inusitado é que enquanto a crítica e o público valorizam a obra, ela mesma não se sente à vontade diante de seus escritos; chega a ter um distanciamento crítico do livro. No entanto, Anita segue todos os protocolos de lançamento da tradução: vai a Buenos Aires e no evento em que o livro seria apresentado ao público participa de uma mesa de debates. Na ocasião, o editor lê um trecho da obra (escolhido pela autora) e ao final o público faz perguntas. Um fã, José Holden, que a encarava durante toda a leitura pega o microfone e faz uma pergunta desafiadora, questionando sobre o final da obra: por que a personagem central de seu livro, Magnólia, comete aquele crime? Anita é pega de surpresa e responde quem nem ela mesma saberia explicar o desfecho de sua obra.

Pronto — termo muito usado no Nordeste e aqui no Recife e que eu começo a saber usar: este é o argumento principal do livro. O que delimita a arte da vida? Magnólia é o retrato de Anita? Anita quer ser o oposto de Magnólia?

A partir do primeiro encontro entre Holden e Anita, a jovem escritora passa a se envolver com o fã, a ponto de se mudar para a casa dele e a frequentar seu grupo de amigos, todos de hábitos um tanto bizarros. No início Anita não compreende bem, mas aos poucos sabe que todos são escritores como ela e, pior, desejam realizar e pôr em prática tudo o que criaram para seus personagens. Meio a contragosto e sem saber as reais intenções do grupo, Anita aceita passar uns dias com eles em Cerro Bonete, montanhas da Cordilheira dos Andes, ao norte da Argentina.

A trama traz tanto o cotidiano do grupo portenho que questiona o limite entre a fantasia e a realidade assim como o drama pessoal da jovem escritora, que mesmo afastada do antigo namorado não abandonou seu sonho de se tornar mãe. Trama envolvente e com final recheado de suspense e surpresas.