Depois de consagrado pelo público e pela crítica com seu romance de estreia, Torto Arado/2019 — publicado em mais de 20 países —, o escritor baiano Itamar Rangel Vieira Junior está de volta. Acabou de lançar pela editora Todavia, Salvar o Fogo, romance épico e lírico, que narra a saga de uma família de trabalhadores rurais de um pequeno povoado às margens do rio Paraguaçu, do interior da Bahia. A história se desenvolve por meio de Luzia, uma mulher que enfrenta todo tipo de injustiças e preconceito das pessoas do povoado, formado por agricultores, pescadores e ceramistas de origem afro-indígena, todos subjugados pelo poder da igreja católica, dona de um imenso mosteiro.
Com uma linguagem que atrai o leitor desde as primeiras linhas, o escritor (que viveu a adolescência em Pernambuco) mescla as experiências íntimas dos personagens com traços e questões sociais do país, como a luta pela posse da terra, racismo e abuso das elites religiosas e políticas.
Graduado, mestre e doutor em Geografia pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), Itamar Vieira Junior já recebeu os mais importantes prêmios literários, como Leya, Oceanos e Jabuti e é autor também de contos, alguns deles reunidos em Doramar ou a Odisseia/2021. Como no romance de estreia que tinha como protagonistas as irmãs Bibiana e Belonísia, descendentes de trabalhadores quilombolas, em Salvar o Fogo o autor dá voz a Luzia e seus familiares, descendentes de indígenas e negros. Em depoimento ao canal Arte 1, do You Tube, o escritor fala sobre o livro:
“Esta história surgiu enquanto escrevia Torto Arado. São histórias de relação de poder que não necessariamente estão nas mãos de um único fazendeiro; aqui estamos pensando no papel institucional e político da igreja, detentora de bens e imóveis como fazendas”, diz Itamar Vieira Junior.
A obra é dividida em quatro capítulos, A vingança tupinambá, Luzia do Paraguaçu, Manaíba e A alma selvagem. No primeiro o protagonismo é de Moisés, que vive com o pai Mundinho e a irmã Luzia. A história é narrada em primeira pessoa, do ponto de vista do garoto, desde seu nascimento, passando pela adolescência quando deixa o povoado até sua fase adulta quando foi convocado a voltar para casa. Já o segundo capítulo é conduzido por Luzia, a filha de Mundinho e Alzira que permaneceu na Tapera, ao contrário dos irmãos que foram em busca de alternativas fora de lá. Ela cuida da casa, ampara o pai, é a lavadeira do Mosteiro e sofre com as maledicências do povo. Em Manaíba, a história passa a ser narrada por Mariinha ou Maria Cabocla: por causa de um acidente, todos os filhos precisam voltar para casa e ela conta como é esta experiência, já que desde a adolescência vive fora. No último capítulo há o narrador em terceira pessoa, que relata os desfechos das histórias e os delírios e sonhos dos personagens.
Com uma narrativa ágil, num movimento de idas e vindas no tempo, o leitor fica preso à trama e aos poucos vai construindo o quebra cabeça da história; se alguma informação ficou solta, até o final tudo se encaixa, graças à maestria narrativa do escritor. A trama, além dos fatos íntimos, dos segredos e dos silêncios dos personagens, é entrecortada com questões ainda traumáticas para o Brasil, como a luta pela posse da terra, o racismo e a exclusão social.
“Estas histórias falam dos silêncios impostos pelas instituições ou pelas relações familiares. São histórias de populações que foram silenciadas. Na literatura a gente pode acessar os pensamentos e a vida interior, pode colocar esta contraposição entre o silêncio e toda esta explosão de vida que há dentro da gente. A partir dos personagens que estão em suas jornadas individuais, eu também estou querendo conhecer uma história coletiva, que pertence a todos”, arremata o escritor baiano.
Ficha técnica:
Título: Salvar o Fogo
Autor: Itamar Vieira Junior
Editora: Todavia, 318 pgs
Preço: R$76,90
PS: Maurício Mellone é jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo: rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.
Foto em destaque, Itamar Vieira Junior: divulgação.
Foto do autor da resenha: divulgação.
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