Fui içado à literatura de Francisco Azevedo pelo boca a boca e pela indicação da amiga jornalista Adriana Bifulco. Hoje sou um fã declarado e mais uma voz a difundir a palavra deste sensível e envolvente escritor carioca, tanto que trouxe mais um jornalista, Silvio Rolim, para o fã-clube (imaginário) do roteirista, poeta, dramaturgo, romancista e ex-diplomata, nascido no Rio de Janeiro em 1951.
Autor da tetralogia — Arroz de Palma, Doce Gabito, Os novos moradores e A roupa do corpo, todos da Editora Record —, Francisco Azevedo lançou no passado O fio condutor, sua estreia na editora LeYa Brasil. A trama acompanha a saga de dois personagens centrais: Inaiê, a cantora adolescente que traz no sangue e na pele a união de três raças (indígena, negra e branca) e do garoto de rua Caíque. Eles se cruzam de forma pouco usual e se reencontram anos depois, formando um adorável casal. O inusitado da obra é que o narrador é o Brasil, o nosso país, porque para o autor “países são pessoas”.
“Ao Algo Maior, fio condutor que nos irmana, entrelaça e dá sentido.”
É com esta dedicatória que o escritor inicia a obra — traz ainda três citações, uma do libanês Khalil Gibran e outras dos brasileiros, Dona Ivone Lara e Darcy Ribeiro, que ajudam a compreender a trama. No entanto, é no prólogo que Francisco explica sua intenção com o livro:
“Países são pessoas. Pessoas também são países. O Brasil para mim é de carne e osso. Tem coração que bate. Dentro de mim, é esse Brasil que contará a história que se segue — uma história incomum de brasileiros comuns que são nossa verdadeira conexão nesta vida que tanto nos confunde e põe à prova.”
Neste romance novamente Francisco Azevedo volta a seu tema predileto, as relações familiares: é na “família que começamos nossos aprendizados e nossas limitações”. Em 416 páginas, o autor divide a obra em 61 capítulos curtos, sendo que cada capítulo começa com uma página azul e um traço; a medida em que a trama se desenrola os traços vão se unindo até formar no final o mapa do Brasil, o narrador da história. Com uma linguagem fluida, sem rodeios, direta e poética ao mesmo tempo, o leitor é enredado desde o início. Isto fica claro na apresentação de Caíque:
“Para ele, fogo não é castigo, é luz que indica saídas, atalhos, rotas de fuga. Olhem bem para ele. Corpo fechado e alma escancarada, porque ele é bom na essência.”
Outra característica do estilo do escritor: os títulos dos capítulos introduzem a trama que vai ser contada a seguir:
“CONVERSAS CASEIRAS E RUEIRAS
Conversas diversas. Às vezes, no apartamento de Inaiê. Às vezes, no apartamento de Caíque.”
Aqui também, como nos romances anteriores, o autor tece comentários filosóficos, na voz do narrador ou de algum personagem, que além de contextualizar a narrativa servem para reflexão:
“De saber que a vida, sem anestesia, dói. Mas que, sem beijos e amores, é desenxabida.”
Usando a mesma metáfora do autor, afirmo que Azevedo costura a trajetória de vida de Inaiê e Caíque — da infância, à adolescência e fase adulta —, sem deixar qualquer fio solto, não há ponto sem nó, tudo é arrematado. Se Caíque desconhece sua história (os pais foram vítimas de uma enchente no morro e é adotado pelo livreiro libanês Faruk e pelo casal dono de uma barraca na praia), ele é convencido por Inaiê a conhecer sua ancestralidade. Ambos partem para o Nordeste até chegarem ao pequeno povoado de Ariel (referência à cidade paraibana de Areia), onde os pais viveram. A história do rapaz toma novos rumos a partir de então.
Você já percebeu meu fascínio pela literatura de Francisco Azevedo, poderia estender esta resenha/crítica por muito mais. Porém, é preciso finalizá-la. Antes, no entanto, quero ressaltar outra marca do autor: seu misticismo e religiosidade. Há vários elementos que comprovam isto, como o gorro das cores dos Orixás, a influência da umbandista Firmina, vó da garota, em sua formação, os bons conselhos do pastor (segundo marido da mãe de Inaiê) e a presença dos entes queridos falecidos dos personagens em momentos cruciais da trama. Mas é no título do livro que a tese, por vezes utópica, da confiança nas pessoas, nos países e principalmente no Brasil evidencia a fé do escritor, expressa na fala do narrador:
“Acompanhando as fortes contrações da Terra, estamos inevitavelmente presentes nesta esperançosa sala de parto que é o hoje, o agora, aguardando a grande mudança do pensar e do sentir coletivo. Mudanças que, ponho fé, há de nos sarar as antigas e profundas feridas.”
O autor encerra a trama de maneira poética e até visionária (importante lembrar que o livro foi escrito em plena pandemia do coronavírus). Azevedo retoma a tese defendida no prólogo e afirma que Caíque “fala e age como o vasto país”, assim como o narrador fala e age como ser humano:
“Agora, o que tem a fazer é arregaçar as mangas e seguir adiante, pegar céu e estrada e estrada e céu. E se dispor a ser mar e riacho, areia e terra, litoral e sertão entrelaçados”.
Ficha técnica:
Título: O fio condutor
Autor: Francisco Azevedo
Editora: LeYa Brasil, 416 pgs
Preço: R$42,98
PS: Maurício Mellone é jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo: rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.
Foto em destaque de Francisco Azevedo: divulgação.
Foto da capa do livro: divulgação.
Foto de Maurício Mellone: divulgação.
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