Claro que eu sabia da existência do campinense Amin Stepple (1950-2019), desde os tempos em que assistia a filmes de arte, na desconfortável sala Jota Soares, na Casa da Cultura, antiga penitenciária do Recife, nos anos 1970. Depois das sessões, os botequins do Beco da Fome eram o lugar ideal para comentar os filmes de Fassbinder.

Sou da mesma geração recifense de Stepple. Mas não conhecia o legado fílmico em Super-8, deixado pelo cineasta. Um dos pioneiros em Pernambuco na arte com bitola cinematográfica de 8mm de largura. Foi um presente dos deuses que Paulo Cunha e colaboradores ofereceram, no último dia 25 de agosto, à plateia, no auditório Dom Helder Câmara, na Unicap, com a exibição de seis curtas-metragens, na mostra O Super-8, de Amin Stepple.

Se Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça (em cartaz nos cinemas) e Consuella, de Alexandre Figueirôa, só para citar os assistidos recentemente, não me levaram a estados melancólicos, quando relembram um Recife vivenciado no passado, em Amin Stepple, fui atingido em cheio. Uma espécie de rombo afetivo se sobressai da tela, quase cinquenta anos depois da realização dos curtas. A sensação é de que algo precioso foi roubado da nossa juventude pela ditadura militar no Brasil.

Eu era aquele magrelo (até parecido comigo, ou éramos todos iguais?) em Tempo Nublado (1975) e P.S. Um Beijo (1976). Estava na universidade, nos anos de chumbo. Tempo do silêncio imposto a jovens da minha geração. Stepple não se cala, fala por todos nós pelas imagens, signos de um silêncio em movimento, qual um Mário Peixoto, em Limite (1931), e Joris Ivens e Mannus Franken, em Chuva (1929).

Fotograma do curta P.S. Um Beijo (1976), de Amin Stepple.

Daí para os demais filmes apresentados – Robin Hollywood (1976), O Lento, Seguro, Gradual e Relativo Strip-Tease do Zé Fusquinha (1978), Creuzinha Não é Mais Tua (1979) e A Chegada do Trem Fantasma à Estação da Serra da Borborema (1981) –, é de puro encantamento e testemunho de uma geração que teve audácia de fazer Cinema, apesar (ou, talvez, por isso mesmo) dos militares golpistas.

A pré-estreia de A Chegada do Trem Fantasma à Estação da Serra da Borborema, na mostra, último e inacabado curta-metragem, de Amin Stepple, foi transcriada este ano por Ivan Cordeiro e Paulo Cunha. Trabalho impecável. Lindas imagens, como linda é Ana Farache, através das lentes em close up de Stepple. Com ar debochado, juvenil, descolado e ingênuo, Farache é uma Leila Diniz, porém mais bela!

Referências

Filme Limite (1931), de Mário Peixoto: https://www.youtube.com/watch?v=mWDWzUIZnpo

Filme Chuva (1929), de Joris Ivens e Mannus Franken: https://www.youtube.com/watch?v=9K7ZoNndEFk

Serviço

O Super-8 de Amin Stepple será apresentado no Curta 8 – Festival Internacional de Cinema Super 8 de Curitiba, que acontecerá entre os dias 26 e 29 de outubro de 2023.

Foto em destaque: Amin Stepple em ação / divulgação.

Angelo Brás Fernandes Callou nos  anos 1970.

PS: Angelo Brás Fernandes Callou é Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, com pós-doutorado em História e Cinema pela Universidade Nova de Lisboa.

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Angelo Brás

Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, com pós-doutorado em História e Cinema pela Universidade Nova Lisboa.

1 Comentário

  • Mais um texto admirável em que o Ângelo Brás nos leva a não só gostar de um filme, aqui filmes no plural, mas também a (quase) vê-los com empolgação. Adorei os sugestivos títulos com os quais o cineasta Amin Stepple nomeia seus curtas. Um convite promissor para quem, como eu, gostaria de conhecê-los. Agora mais ainda com a celebração entusiasmada da Mostra exibida que o Brás compartilha conosco.

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