“Como é possível um pequeno livro escrito em dez dias abalar toda uma perspectiva teórica e prática desenvolvida na América Latina, e em países africanos, no campo da Extensão Rural? É isto que faz Paulo Freire em Extensão ou Comunicação?, publicado no Chile, em 1969, e no Brasil, em 1970.

Com refinamento intelectual, aliado a sua experiência empírica no campo da educação, como prática de liberdade, Paulo Freire defende a horizontalização das relações entre agrônomos e camponeses, e crava o conceito de Invasão Cultural às práticas verticalizadas, voltadas para o desenvolvimento do campo, conhecidas como de extensão rural. Práticas que negavam o conhecimento de agricultores e agricultoras, para impor uma visão de mundo alheia aos conhecimentos ancestrais que transbordam nas culturas populares do Brasil. 

Freire parte do próprio termo extensão, para afirmar que este nega a possibilidade educacional, pois significa estender conhecimento de alguém que supostamente sabe – os agentes de desenvolvimento rural – para quem supostamente nada sabe, os agricultores, camponeses, indígenas, pescadores. Há no verbete uma negação do outro; do conhecimento desse outro, de sua visão de si próprio e do mundo e, portanto, das suas formas distintas de perceber e catalogar a cultura tradicional. Visão que vai de encontro à perspectiva educacional paulofreiriana, que privilegia, como ponto de partida, o reconhecimento de que o educando possui saberes construídos na realidade social concreta vivida. E é desta realidade que ele poderá desenvolver uma leitura crítica do mundo e de si mesmo, para transformá-la.

Uma Extensão Rural que se propõe a abdicar da invasão cultural em seu que-fazer educacional no campo, há que chamá-la de Comunicação, na medida em que esta pressupõe diálogo, troca de saberes, respeito aos conhecimentos do educando, entre profissionais de nível superior ou médio e os contextos populares do meio rural.

Extensão ou Comunicação? percorreu mundo afora a datar teorias, transformando-as num mertiolate que ardia na pele ferida. Extensão ou Comunicação?, adquirido na saudosa Livraria Livro 7, em 1979, tem sido meu talismã, dada a importância que teve na definição da minha vida acadêmica. É com a lembrança desse livrinho, como um dia se referiu o próprio Paulo Freire, que presto homenagem aos 100 anos do Patrono da Educação Brasileira”.

Em vermelho. Ângelo Brás Callou é professor titular do Departamento de Educação da UFRPE.

Fotos: divulgação.




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Edgard Homem

Por aqui transitam a arte e a cultura, o social – porque é imprescindível dar uma pinta de vez em quando, as viagens, a gastronomia e etc. e tal.

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