Ao completar 80 anos, Chico Buarque, ao invés de receber os presentes, é ele que oferece a seu público mais uma obra de seu repertório. O romance Bambino a Roma, lançado pela Companhia das Letras, é uma autoficção, em que ele relembra os dois anos que viveu com a família na capital italiana, entre 1953 e 1954, quando o pai, o historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda, trabalhou na Universidade de Roma.

De forma leve e casual, como se estivesse contando suas aventuras de infância para os amigos, o autor relata desde a saída de São Paulo, a viagem de navio até a chegada à Itália. É o olhar do adulto para a sua meninice (ele tinha 9 anos); porém, o leitor tem a sensação de que é o garoto que está contando suas histórias.

Agarrado à bola de futebol, olhei para trás ao sair de casa na Rua Haddock Lobo, 1625, São Paulo, assim que partiu o caminhão de mudança. Vendo a casa tão vazia, com manchas de mobília no chão e de quadros na parede, entendi que a ausência seria longa, talvez para sempre”.

É desta forma que tem início o oitavo livro de Chico Buarque, vencedor em 2019 do Prêmio Camões de Literatura pelo conjunto de sua obra. Autor de peças teatrais, obras infantis e de romances, dentre eles Estorvo/1991, Budapeste/2003 e Anos de chumbo e outros contos/2021, desta vez o livro, com 267 páginas, dividido em 29 capítulos, retrata o período em que a família morou em Roma, num prédio da Via San Marino, apartamento 2.

Os fatos são narrados de forma despretensiosa, no início com alguma sequência cronológica. O ambiente na escola americana, os colegas também estrangeiros, os passeios de bicicleta (niquelada, com pneus brancos) pela cidade, a saudade do melhor feijão-preto de São Paulo preparado pela Aparecida, a relação com os irmãos e as ‘peladas’ com os garotos da rua com a sua bola de futebol:

E não era difícil fazer sucesso com os garotos da minha idade sendo o proprietário de uma bola de couro da marca Drible número 5, presente de Natal da minha madrinha no Brasil. Após alguns mal-entendidos, consegui convencer a turma da Villa Paganini de que a bola me fora presenteada por Ghiggiia, ele mesmo, o craque uruguaio que acabava de ser contratado pela Roma”.

No mesmo tom, fatos não muito amistosos também são tratados pelo olhar do garoto, como a atitude do mister Welsh, o professor da escola americana que “usava passar a mão na minha bunda”. E a atração pelas garotas da escola também recebem a atenção do narrador, principalmente sobre a Sandrene, com aquele “seu jeito de jogar a cabeça para trás com os cabelos castanhos despenteados”. Outro fato revisitado foi a dança com a atriz e estrela de cinema Alida Valli, mãe de um colega da escola.

Em várias passagens do romance o autor confessa o desejo de registrar em livro sua experiência na Itália; na época sua mãe o incentiva e lhe dá de presente um diário. No entanto, ele mesmo explica o que resolveu fazer com o presente e que, na verdade, é a síntese de Bambino a Roma:

Achei melhor largar mão da ideia de um diário e deixar que o esquecimento fizesse o seu trabalho. No futuro a imaginação cobriria as lacunas da memória e os acontecimentos reais se revezariam com o que poderia ter acontecido”.

Com sua linguagem direta, objetiva, Chico Buarque envolve o leitor. Nos últimos capítulos há uma grata quebra de expectativa, o que faz com que o leitor repense toda a obra. Ou pelo menos reflita sobre os limites entre o real e a ficção.

Ficha técnica:

Título: Bambino a Roma

Autor: Chico Buarque

Editora: Companhia das Letras, 267 pgs

Preço: R$79,90

Maurício Mellone é jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.

Foto em destaque de Chico Buarque: reprodução capturada do Society Rio-SP por Yuri Antigo.

Demais imagens: divulgação.

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Maurício Mellone

Jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.

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