Fui ontem à vernissagem da I Bienal na Galeria Raiz, no Recife Antigo.
O artista plástico Clériston Andrade ocupa o espaço com sua arte irreverente, colorida e questionadora. São obras em acrílica sobre telas, com traços, arrisco dizer, do cartum e da charge.
Clériston, como jornalista e artista, foi mestre da ironia e do sarcasmo, em plena ditadura militar, com suas ilustrações em jornais de grande circulação em Pernambuco. Acompanhava suas charges na imprensa, lembro-me muito bem! Clériston falava por todos nós, jovens como ele, ao ironizar personagens do regime autoritário.

Mas há algo na pintura de Clériston que extrapola essa trajetória do artista nos meios de comunicação de massa. Sua arte, penso eu, revela aspectos da sociedade contemporânea do consumo desesperado (concreto ou pretendido), com seus adoecimentos colaterais, e da exposição total de si e dos outros nas redes sociais. Boudrillard chamou a isso de “obscenidade total”, ao se referir ao cinema pornô, não pelo moralismo, mas pelas imagens dos órgãos genitais capturados pela câmera, impossíveis a olho nu.
A pintura de Clériston, com pinceladas que chamo irresponsavelmente de “irresponsáveis” – pois livres e difíceis de realizar, para quem se arvora à pintura, exigente que é em liberdade e técnica artística -, revela a sociedade contemporânea, mas por meio das subjetividades humanas.
São corpos deformados, ou deformantes, que expõem “intimidades” (ou será dor?), tal como vemos hoje nas redes sociais sem crivo, numa espécie de inconsciente coletivo frouxo de suas vísceras. Clériston traz esses personagens, não pelo belo, como pretendem narcisicamente, em geral, os frequentadores das redes sociais; mas, pelo sublime, como diz Kant.
O sublime na arte, ao contrário do belo, é sua qualidade incomodativa, reflexiva e questionadora. Nisso Clériston se revela por inteiro, ao abrir as víceras contemporâneas na sua arte, sem perder a ironia e a esperança, jamais.
Expediente:
A Galeria RAIZ fica na Rua da Moeda, 71, Bairro do Recife, Recife, e a I Bienal está em cartaz até o dia 10 de maio de 2025.

Ele é Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, com pós-doutorado em História e Cinema pela Universidade Nova Lisboa.
Fotos das obras de Clériston e foto do autor: Angelo Brás Fernandes Callou.
Sem comentários