“Às vezes me pergunto o porquê de guardar na memória detalhes de objetos e sensações, aparentemente insignificantes, que um dia vi ou vivenciei. Suponho que isto acontece com todo mundo. A literatura de Clarice Lispector não me deixa mentir.

As longas unhas pintadas de vermelho-coral da ascensorista, que contrastavam com seu perfil mignon e delicado, tocavam com dificuldade as teclas do elevador, que me levaria ao topo do império do mundo: o World Trade Center. Pensei: era uma forma de protesto, diante daqueles que ignoram o exaustivo ir-e-vir desses profissionais. No Brasil, muitas pessoas nem os cumprimentam. Nem lhes agradecem.

Um professor da USP revela na sua tese de doutorado, realizada há alguns anos, que ao se passar por um funcionário de serviços gerais da universidade, como estratégia de pesquisa de campo, não foi cumprimentado, nesta condição, nenhuma vez sequer, por alunos e professores. Seres invisíveis, diante do lúmpen classe média, como bem descreveu Luis Nassif, no recente artigo “Xadrez de como o bolsonarismo foi embalado pelas elites nacionais” (1).

Era uma manhã clara de 1996, suponho que de verão, pois me encontrava de férias, naquelas alturas. Tive uma sensação muito estranha dali de cima do Império. Uma espécie de insegurança e desconforto (ou vertigem?), às avessas daqueles trabalhadores na construção do Rockefeller Center, congelados na fotografia de Charles Ebbets, em 1932. Algo me dizia que os americanos haviam chegado longe demais, na sua soberba de vidro e aço. Para quê? Símbolo das suas “incursões” imperiais mundo afora?

Como poderia me esquecer da garota das unhas vermelhas, ao ligar a TV, naquele fatídico 11 de setembro de 2001? Rezei por ela. Por todas as vítimas. Nunca saberei se sobreviveu.

Hoje, novamente, me recordo dela e de seu protesto. Que suas garras nos ajudem a refletir sobre a intolerância e a discriminação no mundo”.

(1) https://jornalggn.com.br/xadrez-2/xadrez-de-como-o-bolsonarismo-foi-embalado-pelas-elites-nacionais-por-luis-nassif/amp/

Almoço no topo de um arranha-céu. Foto de Charles Ebbets, 1932.
Ângelo Brás Callou é professor titular do Departamento de Educação da UFRPE.

PS: 11 de setembro, a acrílica sobre papel que ilustra o artigo, é criação de Angelo Brás Callou.

PS2: a imagem em destaque e a foto do autor são divulgação.

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Edgard Homem

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