Frequentar vernissages nunca foi um programa do meu agrado.

O motivo?

O ar de superioridade existencial que envolve e oblitera grande parte dos presentes – fenômeno que detectei comparecendo, quase sempre levado pelo trabalho, a inúmeras aberturas de exposição.

São 3 décadas de coquetéis. Os quebrados eu não contabilizo.     

Nessas noites, pelo menos nelas, têm-se a certeza de pertencer ao clube dos bem dotados: de sensibilidade e charme, de inteligência e cultura, de dinheiro e poder e de outros atributos espetaculares.

Obviamente que tamanha tolice não é um problema da arte, que paira acima dos nossos egos e, obviamente, há quem faça diferente e, com algum afinco, sempre achamos com quem compartilhar a nossa espontaneidade. A festa sempre acontecerá.

Dito isso, a antítese: o vernissage de Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan, acontecida em novembro, na CAIXA Cultural Recife.

Fui emburrado por dentro, como de costume, e programado para fazer uma visita-formal-relâmpago. Conheço parte dos envolvidos.

Mas ao chegar, eis que me deparo com uma gente pulsante, genuína, alegre, grande na simplicidade. O ar que nos envolvia exalava celebração.

Fiquei feliz ao ver o povo preto ocupando aquele espaço: a começar pelo próprio artista, passando pela equipe de profissionais envolvidos na realização da mostra, pelos convidados e também nas 57 telas que os retratam.  

Fiquei feliz ao ver a bela, engajada e promissora arte de Jeff Alan. Mais que quadros, são mensagens viscerais penduradas nas paredes, necessárias para a construção – agora – de um mundo respirável:

Que este texto não soe como um convite ao cancelamento – no caso, o meu. Quero que soe como um convite à reflexão: a arte precisa sair da caixinha branca. Caso não, torna-se mais um coquetel para a estatística, aliás, para o Instagram.    

Mais sobre

Ele

Jeff Alan, 32 anos, mora e registra, com frequência, as pessoas do bairro onde mora desde criança, o Barro, Zona Oeste do Recife, de maioria autodeclarada preta ou parda.

A curadoria do jornalista, escritor e antropólogo Bruno Albertim organizou e fortaleceu tremendamente o discurso pictórico de Jeff Alan. ‘Com uma sua potente narrativa visual, preenche fraturas da memória coletiva, projeta a cura de antigas feridas. Vértice de um novo figurativismo negro que desfaz os apagamentos da escravidão, tanto rasga a celebração da branquitude perversa nos antigos álbuns de família, como o embranquecimento simbólico para a sobrevivência social…’, diz.

Não estava nos planos, mas Jeff Alan tem pintado alguns dos que visitam a exposição.

Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan ficará em cartaz até o dia 28 de janeiro.

Visitação de terça-feira a domingo, das 10h às 20h.

Entrada gratuita.

Fica na Avenida Alfredo de Lisboa, 505, Bairro do Recife, Recife.  

Foto do artista: Arnaldo Sette.

As demais imagens: divulgação.

Edgard HomemAuthor posts

Edgard Homem

Por aqui transitam a arte e a cultura, o social – porque é imprescindível dar uma pinta de vez em quando, as viagens, a gastronomia e etc. e tal.

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