Primeira incursão literária do ator, palhaço, dublador e escritor cearense Jardel Camelo, Guardado na Nuvem, é uma história recheada de ação, mistério e uma relação de amizade um tanto nebulosa entre dois homens. De um lado Helvécio, um escritor principiante que tem problemas com alcoolismo e traz traumas de infância provocados por racismo; de outro Tony, um jornalista bem sucedido e que é amigo de Helvécio desde a faculdade. No entanto um acidente — o atropelamento e morte de um ciclista — irá modificar por completo a vida deles.
O romance lançado pela Editora Folhas de Relva no final do ano passado é composto por 12 capítulos e desde o início prende a atenção do leitor, principalmente porque ao final de cada capítulo o autor lança mão de um fato que irá alterar o desenrolar da trama. Por exemplo, o atropelamento do ciclista, proprietário de uma famosa editora de livros, acontece no final do primeiro capítulo e toda a história se desenvolve a partir deste fato.
Galope
Do rastro ao lume em
tempos de fome, da ponta
do cume ao lastro que
some – dois tempos, três
sóis e um relógio
quebrado.
Jardel Camelo nasceu no Ceará em 1990 e seu fascínio pela poesia vem desde a adolescência. Hoje vive em São Paulo, mas morou no Rio de Janeiro onde iniciou sua carreira artística. Em parceria com o poeta Pedro Gontijo, editou o e-book Lume, que traz o poema acima.
Em seu primeiro romance, considerado de suspense realista, Camelo induz o leitor desde o início da trama a crer nas boas intenções do jornalista Tony, apelidado de Gordão, para com o amigo, que ele chama de Nanico. Entretanto, o leitor começa a duvidar da sinceridade da amizade entre eles, até o momento em que a máscara cai e o vilão é desmascarado. Em comunhão, Tony/Gordão e Helvécio/Nanico conseguem, aparentemente, se desvencilhar do crime, ocultando o corpo do ciclista. Porém Helvécio passa a sofrer chantagem e resolve desaparecer. Pega um ônibus e inicia nova etapa da vida, agora como morador de rua.
A trama, em grande parte, é relatada na primeira pessoa e Helvécio é o narrador. Ele sempre mistura o relato do seu cotidiano com suas lembranças e sonhos. É desta forma que novos personagens aparecem, as pessoas que ele conhece nas ruas. Num belo dia, ele se depara com Tony, que insiste para que retome sua vida, volte a escrever. Ressabiado, Helvécio a princípio recusa o convite, mas dias depois volta e passa a morar na casa do velho amigo.
Consciente de que a bebida só o prejudicava e estando novamente em seu meio, Helvécio, sóbrio, começa a se lembrar de tudo o que aconteceu antes de sua fuga. Com a ajuda de investigadores do caso do ciclista, a verdade vem à tona e a inocência dele será provada no julgamento, assim como todas as artimanhas de Tony para prejudicá-lo.
Durante o julgamento, o autor utiliza um recurso criativo, que faz com que a trama tome outro rumo: Helvécio e Tony fazem uma revisão de suas vidas enquanto tudo ao redor deles se paralisa. O último capítulo, com o mesmo título do livro, é a chave de todo o mistério, ou seja, Jardel Camelo usa da metalinguagem, a literatura dentro da literatura, para o desfecho da trama. Neste final, fiquei com a impressão de que Guardado na Nuvem se aproxima de romances espíritas, em que sempre há a descrição de várias fases da vida (ou de outras vidas, a reencarnação). E no fundo Helvécio pode ser visto como persona, personagem em que o autor se incorpora, ou que tem várias vidas, várias facetas.
Ficha técnica:
Título: Guardado na Nuvem
Autor: Jardel Camelo
Editora: Folhas de Relva, 220 pgs
Preço: R$57,90
Maurício Mellone é jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.
Foto em destaque de Jardel Camelo: divulgação.
Foto de Maurício Mellone e da obra: divulgação.
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