Numa bela edição da Oficina Raquel, com ilustrações de Luciana Nabuco, a escritora, poeta e ensaísta Conceição Evaristo — eleita recentemente imortal da Academia Mineira de Letras — revisita e dá nova vida a Macabéa, personagem central do último livro de Clarice Lispector, A hora da estrela, lançado em 1977. No conto Macabéa, Flor de Mulungu, logo no início a autora confessa:

“Macabéa, a Flor de Mulungu, sou eu. Tal é a minha parecença-mulher com ela. Repito, sou eu e são todos os meus”.

Conceição Evaristo já nas primeiras linhas do conto traz um outro olhar para Macabéa de Lispector, aquela jovem nordestina, migrante, solitária e com um desfecho tão trágico:

“Macabéa, caída e semimorta no chão, imaginei que a flor de mulungu seria para ela, ou melhor, seria ela. Flor de mulungu tinha a potência da vida. Força motriz de um povo que resilientemente vai emoldurando o seu grito. Mulheres como Macabéa não morrem. Costumam ser porta-vozes de outras mulheres, iguais a ela”.

Ao retomar e revisitar a personagem, a escritora relembra o passado de Macabéa antes de sua ida para o sul do país, fala de sua habilidade como cerzideira e principalmente como parteira. De forma poética, Evaristo diz que Macabéa seguia a vida em sua cidadezinha, “amparando crianças que escorregavam livremente do ventre materno, mezinhando uns e outros e laborando em cerzimentos sempre, para muitos”.

Outra habilidade de Macabéa ressaltada no conto é o refinamento dela no preparo de chás e garrafadas, “remédios feitos nas urgências da vida”. A autora salienta ainda que os conhecimentos de Macabéa foram herdados de seus antecedentes, “os povos das florestas e aqueles que tinham chegado, banhados da água salgada do mar”, numa referência direta aos indígenas e aos negros vindos da África.

Com maestria da síntese do conto, a escritora diz “assim-assim seguia a vida de Macabéa na capital” e relata a mudança vivida pela personagem na cidade grande, sua nova profissão como datilógrafa, as companheiras de trabalho, sua paixão por Olímpio de Jesus e suas dores e desilusões.

Novamente a autora se coloca em primeira pessoa, falando de sua identificação com a personagem: “não tive dificuldade alguma para entendê-la. Ela falava por mim, tal a nossa semelhança. Dor e aflição também me consomem”.

Contrastando com o final que Clarice Lispector deu à personagem, Conceição Evaristo arremata e diz que a personagem não pode morrer:

“A Flor de Mulungu não ia fenecer. Não. A posição fetal em que ela se encontrava era um indício de que uma nova vida se abria. Ela ia nascer por ela e com ela. Macabéa ia se parir.

“Todas, elas e eu, nós precisamos de Macabéa, Flor de Mulungu.”

Ficha técnica:

Título: Macabéa, Flor de Mulungu

Autor: Conceição Evaristo, ilustração de Luciana Nabuco

Editora: Oficina Raquel, 40 pgs

Preço: R$44,90

O dono da resenha.

Maurício Mellone é jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.

Fotos de Conceição Evaristo em destaque: Lucas Seixas / Folhapress.

Demais imagens: divulgação.

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Edgard Homem

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