Jornalista, assessora de imprensa e autora de livros técnicos, Heloísa Miguel acaba de lançar pela Caravana Grupo Editorial seu primeiro romance, O outono de 1970. Com uma linguagem simples, direta e envolvente, a autora descreve a saga de duas famílias, moradoras de uma pequena cidade do interior paulista, em plena ditadura militar. O inusitado é que a trama é narrada por Glorinha, uma garota de apenas 10 anos, que vê tanto seu mundo pessoal e familiar como o país em que vive sofrer alterações significativas, que irão modificar o seu modo de enxergar o mundo. Ela é, como atesta os editores na orelha do livro, “empurrada para fora da infância”.

“O romance de Heloísa Miguel nos traz a força feminina e feminista, sem proselitismo, carregada de reflexão e esperança”, afirma o editor Leonardo Costaneto. 

A obra de 293 páginas é dividida em duas partes; a primeira, com 12 capítulos, é dedicada ao cotidiano das duas famílias vizinhas, a de Glorinha, com suas duas irmãs e os pais que vivem em constantes atritos, e a de Demétrio, que vive com o pai Vicente e a encantadora tia Darcy. Já a segunda parte, com 11 capítulos, é praticamente sobre as profundas transformações na vida da garota, desde a mudança física com a chegada da primeira menstruação até perdas, separações e a tomada de consciência que a infância ficou para trás!

Como a trama é contada sob o olhar de uma menina, a linguagem é clara e direta. No entanto, o que mais chama a atenção no estilo de Heloísa Miguel é a forma sutil de mudança do tempo narrativo: dos acontecimentos do presente, o outono de 1970 na cidadezinha do interior, para o passado por meio das histórias de vida dos personagens que rodeiam Glorinha, como tia Darcy, seu Vicente (pai de Demétrio), e os pais Malu e Orlando. Num vai e vem envolvente, o leitor vai construindo o quebra cabeça do mundo real e psicológico daqueles personagens.

O momento histórico em que se passa a história é o auge da ditadura militar brasileira. Num mundo sem internet, celular e avanços tecnológicos dos dias atuais, as pequenas cidades espalhadas por este imenso país tinham pouca noção da violenta e truculenta gestão dos militares na época. Tanto que o avô e o pai de Glorinha foram brutalmente surpreendidos com a emboscada de alguns militares no sítio em que moravam: os invasores estavam à procura de Toninho, tio da menina, que era sindicalista e naturalmente de oposição aos golpistas. Pai e filho são torturados e o sítio totalmente violado pelos meganhas/milicos.

A forma como a autora descreve o modo de vida das mulheres da época também merece destaque. Em plena ditadura e numa sociedade machista e autoritária, as mulheres da vida de Glorinha, ao contrário do que se possa imaginar, são fortes, independentes sem deixar de serem afetuosas e sensíveis. Tia Darcy não se casou, mas cuidou das irmãs e do sítio da família; quando foi preciso, alterou seu cotidiano de maneira radical para cuidar do sobrinho que acabara de ficar órfão. Da mesma forma Malu, mãe de Glorinha, mesmo sofrendo com a oposição do marido machista, não abandonou seus sonhos e criou suas filhas graças ao elegante ateliê de costura que edificou no quintal de sua casa. Sem levantar bandeiras, a autora mostra a força da mulher, que mesmo sob circunstâncias opressoras consegue romper barreiras para se colocar na sociedade:

“As histórias narradas no livro podem se assemelhar às dos leitores, pois são recheadas de traumas, dores, mas também com aquela dose de esperança sem a qual não se vai adiante”, confessa Heloísa Miguel.

História envolvente que provoca reflexões, tanto sobre os acontecimentos históricos vividos pelo país (a ditadura militar dos anos 1960) quanto questões sociais e de costumes. Bela estreia da jornalista/escritora paulista.

Ficha técnica

Título: O outono de 1970

Autor: Heloísa Miguel

Editora: Caravana, 293 pgs

Preço: R$60,00

PS: Maurício Mellone é jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.

Imagens: divulgação.

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Maurício Mellone

Jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.

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