Pintar no es pensar, es sentir (Esteban Vicente)

Não foram poucas as vezes que pensei em cancelar meu perfil no Instagram. São horas de presença na rede social, com o mínimo de aprendizagem.

Vulgaridades, narcisismos, solidões disfarçadas com euforia de felicidade, exposição do que é íntimo, de si e dos outros (imagético e verbal), fazem parte desse lugar democrático, onde quase tudo pode ser e estar. Uma espécie de obscenidade total, diria Jean Baudrillard. Não no sentido moral, mas do esmiuçamento e amplificação dos “objetos” pelas lentes dos celulares, que não visualizamos com tanta nitidez na realidade crua das ruas. Nem na intimidade dos banheiros.

Reflito sempre e me dobro diante da rede, pois nem todo post é do Jardim Gramacho. Há humor, publicações profissionais sérias, dicas de saúde, arte, literatura, viagens, além de relatos de vida interessantes, que nos colocam no mundo em que vivemos, tal como é ali também; ainda que de maneira hipertextual, acelerada, com invólucros mercadológicos, em que todos os perfis estão unidos numa máxima presença a distância. Paradoxo tão bem abordado por Paul Virilio, em O Espaço Crítico, de 1993.

Foi nesses canais de “escolha”, em que nos colocam algoritmicamente as redes sociais, que descobri o inesperado e impactante artista plástico Esteban Vicente.

Santo Instagram!

Esteban Vicente – Kalani Hawaii, 1969.

Tão desconhecido de mim, quanto, talvez, de muitos artistas e do público em geral no Brasil, a julgar pela impossibilidade de se encontrar catálogos não digitais da obra de Esteban, nas livrarias brasileiras. Nas portuguesas também, mesmo na quase tricentenária Bertrand, de Lisboa. Idem nas de Madrid (leia-se Casa del Libro, a maior em matéria de publicações de arte) e, inacreditavelmente, nas de Segóvia, onde nasceu o artista e se instalou o Museo de Arte Contemporáneo Esteban Vicente.

Pego um trem de alta velocidade Madrid-Segóvia, muito mais interessado em ver de perto as obras de Esteban Vicente, do que o imenso aqueduto de quase dois mil anos, que resiste no centro dessa bela e histórica cidade!

Uma hora depois, estou dentro de uma grande sala repleta de estebans. Um verdadeiro jardim abstrato, cultivado por esse jardineiro da arte, como se refere Ana Doldán de Cáceres, no primoroso catálogo Joaquín Sorolla la Luz del Jardim Esteban Vicente (2022, 350 p.), que carrego nas costas pelas ruas medievais de Segóvia. Esteban nasceu em 1903. Viveu 97 anos.

Como descrever a pintura de Esteban Vicente? Olho para os quadros expostos, alguns de grandes dimensões, e “não vejo nada”. Apenas sinto. Emoções. Uma espécie de paz interior e deslumbramento pelo que não se vê, mas sabemos que está ali, sob uma configuração emocionalmente grandiosa do que é simples. O simples é assim mesmo, de tão simples é difícil de explicá-lo. Daí sua grandiosidade. A obra de Esteban Vicente é simplesmente simples!

Vemos nos quadros de Esteban, arrisco dizer, o que não pode ser visto a olho nu, mas o artista nos revela, através de sua arte em cores, formas, desequilíbrios, em sutis gramaturas, nervuras em composições que desestabilizam nossa percepção, sempre tão superficial, fragmentária e estereotipada da realidade; e, nos dias que correm, falsa.

Olhando para os quadros de Esteban no Museo e no catálogo que carreguei nas costas, parece que o artista aproximou seu olhar do jardim que cultivava a quase tocar com os olhos nas flores, nas folhas, na terra, na luz sobre os matames dos seres vivos observados.

Tente esse exercício para ver o que acontece com seu olhar. Ou, fotografe uma pintura figurativa com o celular e amplifique ao máximo o revelado. Aos descrentes de outras camadas do real, que chamamos de abstrato, apreciem novamente uma gota de saliva ou lágrima sob o microscópio.

Esteban traduz em arte o que vê no jardim da sua propriedade de Montauk Highway, em Bridgehampton, Long Island, nos Estados Unidos, para onde migrou, aos 33 anos. Pintura que emociona pela sua gramática própria, a partir do Expressionismo Abstrato da Escola de Nova York (Jackson Pollock, Mark Rothko, Willem de Kooning, entre outros representantes do movimento), nos anos 1940, à qual se filiou.

Desafiar o observador às emoções transmitidas pelo Expressionismo Abstrato está entre os objetivos da Escola. Esteban Vicente cumpriu como ninguém a arte de emocionar o outro, até os desavisados como eu nas redes sociais!

La Coruña, 25 de maio de 2025.

Esteban Vicente – Antes de la cosecha, 1999.
Esteban Vicente – Canto II, 1995.
Angelo Brás Fernandes Callou

Ele é Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, com pós-doutorado em História e Cinema pela Universidade Nova Lisboa.

Imagem em destaque, Esteban Vicente – O Jardim, 1984: colhida da Internet.

As demais imagens das obras de Esteban Vicente também são pinçadas da Internet.

Foto do autor: divulgação.

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Angelo Brás

Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, com pós-doutorado em História e Cinema pela Universidade Nova Lisboa.

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