Para Maria José de Araújo Lima

Fui ao encontro de mim mesmo. Não tenho outra frase para definir o que vi na exposição fotográfica Sertão, de Fred Jordão, no Mercado Eufrásio Barbosa, no Varadouro, em Olinda. 

Sertão reafirma o rural para além do preconceito e dos estereótipos de pobreza, de miséria, de atraso, de lugar distante, verbetes encruados em corações e mentes, inclusive do meio acadêmico, como se o rural não existisse mais como categoria sociológica.

Fred Jordão abre a exposição com um texto impecável, simples, denso, e de uma atualidade teórica impressionante sobre o rural e, nele, o seu sertão. Ao ler sua apresentação, como não lembrar de Néstor García Canclini, em Culturas híbridas, e de Jesús Martín-Barbero, na abordagem das culturas populares na cultura de massa, e, ainda, de Boaventura de Sousa Santos, em Os processos de globalização, ao nos dizer que as culturas locais se reafirmam, apesar da mundialização dos mercados e das culturas. Eis uma passagem do texto do fotógrafo pernambucano:

“A novidade é que já não há um lugar que não possa parecer outro, e que de alguma forma todos podem ser um só. É isso que nos dizem o mundo dos aeroportos e dos shoppings centers. Tudo no mundo, mesmo que diferente, vai ficando igual.

Mas se todos os lugares parecem um só, o que a realidade nos mostra é que quanto mais iguais os lugares parecem ser, mais brutal podem ser suas diferenças.

Se há um lugar de identidade singular no mundo, esse lugar é o Sertão.”

Diante das fotografias expostas nas duas salas de o Sertão, fui refazendo muitos caminhos pelos sertões: da infância, onde nasci e vivi às portas dessa sub-região; dos trabalhos realizados pelo Nordeste, em avaliações de projetos de desenvolvimento rural; das missões científicas, caatinga adentro, levado pelas mãos da professora Maria José de Araújo Lima, aprendendo com as pessoas e com a paisagem. Entre os gravetos desse bioma, vi o mais belo pôr do sol da minha vida.

Fred Jordão aguça o sertão que há em cada um de nós, reafirmando uma frase de Grande sertão: veredas – “Sertão: é dentro da gente”. Por isto, talvez, não atribua legendas às fotografias expostas.

As imagens capturadas pelas lentes do artista destituem preconceitos, penso eu, pela beleza da paisagem e das pessoas, estas, muitas vezes, apenas insinuadas, através do resultado do trabalho humano: as cores das platibandas, os objetos dependurados numa parede ou os detalhes de um artesanato sertanejo. Ao lado disso, a professora Bartira Ferraz e a poetisa Cida Pedrosa nos recoloca no Sertão, séc. 21, vídeo gravado para a exposição.

Uma fotografia me tocou particularmente: o céu estrelado do sertão. Achava que este céu não existia mais. Relembrei as estrelas da infância em Pesqueira, do São João na Macuca e de Fernando de Noronha. O Recife não tem mais estrelas. Mal vemos a lua. “Sertão é quando menos se espera”, diz Guimarães Rosa.

Saio da exposição com a certeza de que aqueles professores que vêm destituindo as disciplinas com o verbete Rural das matrizes curriculares da Universidade Federal Rural de Pernambuco (por ignorância ou má-fé) pensariam duas vezes antes da degola final, se visitassem o Sertão, de Fred Jordão. Quem sabe a arte salve a Extensão Rural dessa lâmina afiada, última janela aberta da UFRPE para o mundo rural contemporâneo. 

Angelo Brás Callou é professor titular do Departamento de Educação da UFRPE.

PS: Sertão segue em cartaz até 4 de fevereiro de 2022, com visitação de terça a domingo, das 9h às 17h. O Centro Cultural Mercado Eufrásio Barbosa fica no Largo do Varadouro, Olinda.

Foto destaque: Fred Jordão.

Foto de Angelo Brás Callou: divulgação.

Edgard HomemAuthor posts

Edgard Homem

Por aqui transitam a arte e a cultura, o social – porque é imprescindível dar uma pinta de vez em quando, as viagens, a gastronomia e etc. e tal.

1 Comentário

  • Muito obrigado, prof. Angelo. É uma grande alegria ler seu texto, e perceber a exata compreensão do que o nosso Sertão pretende. Um grande abraço.
    Será que o amigo permite que eu divulgue seu texto em minhas redes sociais?

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