O jornalista e escritor Miguel de Almeida lançou em 2019 a primeira versão do livro que conta a história do grupo Secos & Molhados. Este ano, que marca os 50 anos do surgimento da banda, ele resolveu relançar a obra, com novos capítulos que trazem informações colhidas em entrevistas inéditas.

Desta forma, Primavera nos dentes – a história do Secos & Molhados, um lançamento da Editora Record, chega ao leitor com 364 páginas que remontam a trajetória fulminante deste grupo – formado pelos jovens João Ricardo, Gérson Conrad e Ney Matogrosso – que fez um estrondoso sucesso ao surgir, com recordes de vendagem de discos e de público em shows, que até hoje ainda custam a ser superados. Infelizmente, pela ganância e intrigas internas, a carreira do Secos & Molhados terminou em apenas dois anos.

O jornalista, escritor e cineasta Miguel de Almeida relata na apresentação desta edição o motivo que o levou a escrever. Ele queria pesquisar e constatar, por meio dos depoimentos dos integrantes do grupo e daqueles e que estiveram ao lado deles, como conseguiram se lançar justamente num momento de tanta repressão.

“Minha curiosidade era a de descobrir como um grupo, num período de poucas liberdades, sob uma ditadura sanguinária, produziu um artefato cultural de altíssima sedição. Como o Secos & Molhados capturou tantas vertentes de rebeldia criativa, canalizadas da poesia e do teatro, driblou o aparato da censura e colocou no almoço de domingo dos brasileiros questões de gênero, além de forjar um discurso pela liberdade mais amplo do que até então era comum”, fala Miguel de Almeida.

O livro é composto de vinte capítulos, a maioria deles com títulos retirados das composições da banda, como Mulher barriguda, El Rey, Guarda Belo, Flores Astrais, Suave coisa nenhuma e Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos. Há ainda uma coleção de fotos da época, o epílogo com pequenos perfis dos três integrantes após o fim da banda, a relação das músicas incluídas nos dois álbuns e os agradecimentos, em que o autor relata detalhes das entrevistas realizadas para a revisão da obra.

Com uma linguagem direta, sem rodeios (valendo-se de sua veia jornalística), Miguel de Almeida faz um perfil de Ney, Gérson e João antes de se conhecerem e criarem o grupo musical. Interessante saber que todos estavam ligados ao teatro e às artes: Ney na atuação de peças infantis, João como jornalista cultural e Gérson em produção de trilhas. Paralelamente ao relato do histórico pessoal deles, o autor também traça um painel político cultural do Brasil, imerso numa ditadura repressora e violenta.

A ideia inicial de criar um grupo de rock é de João Ricardo, filho do jornalista português João Apolinário que havia deixado Portugal em razão da ditadura de António Salazar. João e Gérson iniciaram as composições, mas queriam um vocalista com uma voz cujo timbre fosse agudo; a compositora carioca Luhli Orozco (da dupla Luhli & Lucina) indicou Ney. Após o primeiro encontro, os três embarcaram de vez no projeto, num período longo de criação.

Os dois únicos álbuns do grupo (Selo Continental) têm como título o nome da banda (Secos & Molhados). Miguel de Almeida relata com detalhes a elaboração do primeiro, que desde a capa já trazia forte impacto: foto e criação de Antônio Carlos Rodrigues, que disse: “vou colocar a cabeça de vocês na mesa, com o nome Secos & Molhados. Minha ideia é esparramar pela mesa algumas coisas de comida. Vamos assumir o conceito do nome, que é muito bom”.  Mal sabiam que aquela seria “uma das capas de disco mais chocantes do país.”

O que cativa no livro é a forma como o autor vai entrelaçando as informações relativas ao grupo com os acontecimentos da época e como o Secos & Molhados contribuiu para construção do que hoje chamamos de cultura de massa, ou a indústria cultural. O sucesso avassalador da banda, os recordes de vendagem de discos e o grande número de pessoas que assistiram ao show no Maracanãzinho (20 mil espectadores, com quase o mesmo número de pessoas que não conseguiram entrar) são marcas que até hoje são difíceis de superar.

Toda a caminhada da banda é minuciosamente contada pelo escritor, assim como o final do grupo. Da mesma forma impactante como surgiram, os três rapazes resolvem dissolver a banda em menos de dois anos de carreira. As intrigas internas, a ganância diante do sucesso inesperado e as interferências externas (principalmente de João Apolinário, pai de João Ricardo) provocaram a dissolução. É neste clima tenso que acontece a gravação do segundo álbum, que traz 13 canções, todas de autoria de João Ricardo (Conrad só participou de uma composição).

Ao final, o autor ainda relata como ficaram as carreiras dos três após a meteórica carreira do Secos & Molhados e como cada um conseguiu criar sua própria identidade. No entanto, Ney Matogrosso, considerado pela crítica e pelo público como a grande estrela do grupo, construiu uma carreira solo de grande sucesso e até hoje, com seus 81 anos, brilha nos palcos, sempre surpreendendo sua legião de fãs.

A transgressão

Ficha técnica:

Título: Primavera nos dentes- a história dos Secos & Molhados

Autor: Miguel de Almeida

Editora: Record, 364 pgs

Preço: R$79,90

O autor da resenha.

Maurício Mellone é jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo: rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.

Foto em destaque, Miguel Almeida: divulgação.

Foto da capa: divulgação.

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Maurício Mellone

Jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.

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