O jornalista, escritor e poeta lança pela Editora Koju uma coletânea de histórias, em vários estilos, que retratam a dura realidade dos moradores de rua. Livro premiado com o ProAC

Depois do duplo lançamento em 2019, de Tô Levitando e Florestas Imaginárias, o escritor, poeta e jornalista Marcelo Brettas está com nova obra. Trata-se de Rua Qualquer, Sem Número, uma coletânea de histórias escritas em diversos estilos (prosa, poesia, rap, cordel, prosa poética), a maioria delas retratando a sofrida realidade das pessoas em situação de vida nas ruas. O jornalista e fotógrafo Paulo Gil é o autor das fotos e ilustrações do livro: suas imagens ampliam e redimensionam o teor das histórias.

Com prefácio do padre Júlio Lancellotti, considerado uma referência no acolhimento aos moradores de rua no Brasil, o livro traz 22 histórias, num misto entre realidade e memória, segundo o autor. Ao final, o posfácio é assinado por Mirian de Carvalho, escritora e crítica literária, que define a obra:

“Rua das histórias de ontem e de hoje, rua cantada e relembrada pelo autor, de modo magistral e intenso. Rua percorrida em poesia e prosa, entre o verso livre e o verso metrificado, exaltando cadências e variantes rítmicas, em meio a dicções da crônica e da história curta entremeadas pela prosa poética”, afirma Miriam de Carvalho.

“Que a leitura de ‘Rua Qualquer, Sem Número’ nos ajude a superar toda barreira, separação e divisão e nos faça conviver e partilhar o pão.”, Júlio Lancellotti.

O livro foi premiado com ProAC (Programa de Ação Cultural) da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e como contrapartida o autor, seguindo um pedido do padre Lancellotti, distribuiu 400 exemplares aos “que me ajudaram a escrever este livro”, os atendidos pela Pastoral do Povo de Rua.

Ultimamente venho passando por desafios profissionais: no meu blog posto resenhas/críticas sobre produtos culturais, os mais diversos. Mas analisar uma obra cujo autor é um grande amigo torna-se a tarefa ainda mais desafiadora. Marcelo e Paulo Gil fizeram parte da minha turma da PUC/SP; a isenção e a imparcialidade estarão presentes, mas confesso — assim como Brettas fala sobre o seu livro — que escrever sobre as histórias tão comoventes, escritas e fotografadas por amigos, ficou difícil não se emocionar.

O que mais me chamou a atenção é a variedade de estilos de que o autor lança mão para contar as histórias. Em Corcel da cor do céu, a saga de Zé Beiçudo que virou Zé Farrapo é contada em cordel:

“Fui então para Recife

 Onde fiquei por algum tempo

 A vida era bem difícil

 Morava mesmo ao relento

 Lá tinha ao menos consolo

 Do mar, da praia e do vento”

Ainda na linguagem poética, há mais três tramas: Gentileza (sobre o profeta Gentileza), Gueixa e Mala. A poesia das ruas Marcelo usou em Rap rapaz. Em Batom, há um recurso interessante anunciado pelo autor: a triste vida de Soraya é contada na primeira pessoa.

Outro componente a se destacar do estilo de Brettas é a mescla entre realidade e memória. Em Branca Isaura (história da miss que se tornou guerrilheira) fala do horror dos anos de chumbo; em O Jardim de Petronilha, O bruxo da ONU e Fagulhas as lembranças do autor recheiam as tramas. Esta característica está também presente em Hoje tem espetáculo? Tem, sim senhor: Brettas conta de seus passeios pelo centro de São Paulo, na infância e já adulto. Trechos desta crônica provocam uma reflexão profunda sobre o viver nas cidades atuais:

“Naquele tempo, as cidades ainda eram construídas para as pessoas, e não para os automóveis.”

“A notícia morre embrulhando a carne do açougue e aqueles corações e almas desaparecem em uma rua qualquer, entre escarros, papel sujo e a urina que fede e escorre pela escadaria da catedral.”

São várias histórias comoventes, impossível citar todas. Mas quero destacar mais duas, a que abre e a que encerra o livro (Poeta Náufrago e O inferno de Décio); são relatos de dois homens sábios, com experiências de vida enriquecedoras e que Marcelo Brettas teve a sorte e a honra de conhecer.

Termino a resenha com a dedicatória profética que recebi no meu exemplar:

“Em diferentes estilos aqui estão contadas histórias tristes dessa sociedade cruel e devastada. Essa história só termina no dia em que todas as ruas deixem de ser moradas e a dignidade seja restabelecida. Este é o meu grito contra a aporofobia.”

Ficha técnica:

Título: Rua Qualquer, Sem Número

Autor: Marcelo Brettas; fotografia: Paulo Gil

Editora: Koju, 160 pgs

Preço: R$50,00 (solicite pelo WhatsApp 11 99652. 7506)

Maurício Mellone é jornalista com mais de 40 anos de estrada. Fez carreira na imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa. Hoje mora no Recife e, aqui no Blog Edgard Homem, escreve sobre a literatura produzida por autores brasileiros. Maurício também tem um espaço só seu: vai lá no www.favodomellone.com.br.

Foto em destaque: Marcelo Brettas / divulgação.

Foto2: capa / divulgação.

Foto3: Maurício Mellone / divulgação.

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Edgard Homem

Por aqui transitam a arte e a cultura, o social – porque é imprescindível dar uma pinta de vez em quando, as viagens, a gastronomia e etc. e tal.

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