O coronavírus transtornou a minha vida e é bem possível que a sua também.
Não sei do presente, quanto mais do futuro, mas sei que os abalos serão sentidos por anos a fio.
O cárcere privado impõe reflexão. Impossível fugir se você é minimamente sensível – creio que sou minimamente.
Compartilho questionamentos, provocações da existência, sentimentos aflorados pelo isolamento social. Gostaria de dividir certezas. Mas não dá, por hora não dá.
Entre as coisas que brotaram no meu coração ❣️ está a compaixão pelos confinados. Humanos, animais, vegetais, viventes de todos os reinos que estão encarcerados me comovem.
Visíveis e invisíveis, as grades desbotam vidas.
Por isso é que eu tenho dó das Siriemas enjauladas do Parque Treze de Maio. Nascidas para os pares ou pequenos bandos, essas exímias corredoras sobrevivem em solitárias minúsculas que afrontam suas naturezas.
Há um papagaio igualmente sozinho, macacos descoloridos pela tristeza, pavões enfeados, enfim, paira melancolia, nuvem de morte viva.
Túnel do tempo
Em 6 de abril de 2014, a jornalista Flávia de Gusmão publicou no caderno JCMAIS, Jornal do Commercio, matéria de página inteira com o seguinte título: Eu vou tirar você desse lugar.
O texto, delicioso, tratava de assunto amargo: a solidão das Siriemas moradoras do tal minizoológico e, por conseguinte, dos seus vizinhos.
“Não que os animais estejam maltratados, no sentido estrito do termo. A moradia, embora restrinja sobremaneira os movimentos, é limpa, em lugar sombreado, pode-se ver a ração em recipientes adequados e água fresca. Uma prisão-vitrine-bem-organizada, na qual a vida é uma repetição de pessoas que param e olham”, descreve ela.
Completo afirmando que se não há amor em SP, também não há amor no Treze de Maio e afeto é item da cesta básica de todos nós, né bicho?
Esclarecendo para terminar.
Eu e o cineasta Felipe Peres ensaiamos um movimento para libertar os tais animais do tédio. Ele fez vídeo, criamos abaixo-assinado, emplacamos essa matéria, mas não bastou… A comunidade do entrono reuniu forças e num abaixo-assinado bem mais assinado que o nosso, conseguiu manter a bicharada presa para o próprio deleite de apreciação.
2020, ano em que estamos todos enjaulados, reforça a sede de correr com os meus, em bando, na vastidão.
Ninguém é perfeito, eu tampouco, contudo, até quando assistir o sofrimento do outro nos provocará alegria, distração? Quando acabará essa pandemia?
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