Lançado pela Editora Record, o livro de estreia da escritora mineira está na 12ª edição graças ao sucesso de crítica e público. Trama mostra relação entre o casal Dalva e Venâncio e a prostituta Lucy.

Minhas resenhas literárias geralmente são sobre lançamentos ou obras lançadas recentemente. Entretanto, como adverte Martha Medeiros na orelha do livro, Tudo é rio/Editora Record é uma obra-prima e precisa ser lido pelo maior número de pessoas possível:

“Autor nenhum deseja escrever apenas para meia dúzia de parentes. Carla Madeira merece que seu livro passe de mão em mão e para isto ela precisa do boca a boca. Esta joia não merece ficar escondida nas prateleiras das livrarias em meio a tantos outros títulos”, afirma Martha Medeiros.

Daí minha resolução de ser mais um a contribuir no boca a boca para difundir este romance instigante e de grande valor literário. Carla Madeira, mineira de Belo Horizonte, estreou com esta obra e em 2018 lançou seu segundo romance, A natureza da mordida/Quixote+Do. Além da história envolvente e amorosa entre os três principais personagens, o casal Dalva e Venâncio e a prostituta Lucy, a autora inova na narrativa, com um texto em prosa poética.

O que mais me chama a atenção na obra de Carla Madeira é seu estilo narrativo. Ela introduz o personagem, o fato ou a situação num tempo presente e com sutileza leva o leitor ao passado do que acabou de descrever. Assim, o leitor sabe, por exemplo, que Venâncio é um homem triste, acabrunhado e aos poucos a escritora traz à tona todo o passado dele e as razões e motivos que o deixaram desta maneira diante da vida. Depois que o leitor já montou parte do quebra-cabeça, Carla traz outros elementos para aquele presente inicial e a trama tem continuidade.

Outra característica que marca a inovação da narrativa da autora são as falas dos personagens. Sem uso dos tradicionais travessões, que indicam o início de fala de cada personagem, e muito menos os verbos dicendi — aqueles verbos do discurso direto que mostram o modo como o interlocutor se expressa —, Carla traz o diálogo por meio do narrador, que descreve a ação e as falas dos personagens aparecem diretamente na frase, não havendo separação entre narrador e personagem:

“Quanto mais ela falava, mais ele ouvia o que não queria. Quando abriu a boca, foi um ponto final sem recurso. Não quero não, moça, guarde esta gostosura toda pra sua fila de babões, eu gosto de puta que dá mal.”

Há outro exemplo desta forma criativa de apresentar o diálogo: narrador relata a ação, os personagens falam sendo intercalados com o narrador, de forma sucessiva:

“Aurora entrou no quarto, Antônio já estava na cama. O olho fechado fingindo um sono profundo. Era o jeito de dizer que não queria conversa. Ela também sabia fingir que não entendeu o recado. Se precisasse, ia gritar: acorda! Naquele caso, tinha urgência de sacudir o marido. Antônio, a nossa conversa vai ser hoje, vai ser agora. Para Aurora o dia tinha de amanhecer de outro jeito. Não admitia ver o marido botar tanta culpa na filha por gostar de alguém.

Você foi injusto com Dalva. Injusto coisa nenhuma, Dalva escondeu da gente que estava de caso com esse moço. Esse menino não presta. Não presta por quê?…”

Como fica nítido no título da obra, a autora utiliza em diversas passagens o rio como metáfora da vida. E aí acrescento outra preciosidade da linguagem de Carla Madeira: seu texto em prosa é recheado de poesia, prosa poética. Veja os exemplos:

“Nunca lamentava, dava um jeito de trazer a alegria para perto. E como o rio corre para o mar, a alegria sempre dava um jeito de amanhecer com Aurora.”

“… as palavras apodrecendo dentro dele, as paredes sem ouvidos devolvendo em ecos ampliados a dor de não ser amado.”

“Os olhos negros de Dalva brilhavam uma luz inquieta, como estrelas cadentes em noite sem lua, caóticas e belas.”

“Estavam diante de um caminho alagado… O caminho alagado trazia a promessa de corpos úmidos.”

Poderia estender-me muito mais para demonstrar a criativa e sensível obra de Carla Madeira. Fiquei curioso e logo lerei seu segundo romance. Fecho esta resenha com as palavras de Cris Guerra, no prefácio:

“Carla mergulha no pesadelo espesso do amor. Na loucura do tanto, na insensatez do sempre e do nunca. Tudo é intenso, tudo é muito. E a vida, como metáfora de um rio, tudo traz, tudo leva, tudo lava. Menos o amor. O amor é uma verdade à prova do tempo,” conclui Cris Guerra.

Ficha técnica:

Título: Tudo é rio

Autor: Carla Madeira

Editora: Record

Páginas: 210

Preço: R$ 47,90

Fotos: divulgação

Maurício Mellone é jornalista com mais de 40 anos de estrada. Fez carreira na imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa. Hoje mora no Recife e, aqui no Blog Edgard Homem, escreve sobre a literatura produzida por autores brasileiros. Maurício também tem um espaço só seu: vai lá no www.favodomellone.com.br.

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Maurício Mellone

Jornalista com mais de 40 anos de estrada, fez carreira na imprensa de São Paulo – rádio, TV, impresso e assessoria de imprensa.

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