“Eu vou fazer uma canção de amor
para gravar um disco voador”
(Caetano Veloso)
O clima ensolarado trouxe de volta o ânimo que tanto precisava. Colocou os livros numa mala e seguiu rumo ao parque. Quinze minutos de trajeto, ao som de freadas bruscas e buzinas, e com as rodinhas da mala emperrando nos buracos das calçadas.
Já no parque, escolheu um banco à sombra de uma árvore. Cobriu a madeira descascada do assento com o seu paninho flanelado e colocou os livros em cima. Ao lado, o porta-retratos com o preço do exemplar.
Muita gente passou por ali naquele dia. Potenciais leitores se aproximavam, curiosos. Um homem com um bebê nos braços perguntou se o livro era sobre ficção científica. “É poesia.”, ela respondeu. “É sobre amor”.
Desde o lançamento, há quase um ano, a capa do livro chamava atenção. Mas não havia nada de científico na sua poesia. Apenas amor – bem ou mal resolvido – que ela colocava no papel para libertar-se. Assim eram os seus versos.
Comprou um churro. A massa estava crocante, sequinha. Sentia ainda o enorme prazer de ter comido aquele doce (o que já valeria a ida ao parque), quando vendeu o primeiro exemplar para o mesmo homem, que agora voltava sem o bebê.
Ele folheou o livro. Disse que ficou curioso por causa do disco voador na capa. Ela sorriu e, na hora de passar o troco, reforçou o que tinha dito anteriormente: ele não encontraria feitos científicos naquelas páginas. Os poemas eram de amor.
Chegou à noite. Havia levado vinte livros para o parque. Vendeu quatro. Era preciso reconhecer a contribuição da capa para as vendas, apesar da imagem não ter sido escolhida para atrair a atenção ou confundir o leitor. Ela pagou do próprio bolso pela edição do livro. Fez do seu jeito.
Na volta para casa, lhe veio a inspiração para um novo livro. Um livro com seus versos simples, por vezes dolorosos, saídos do coração. Decerto que ela poderia escrever sobre o que quisesse, até mesmo sobre o amor num futuro distópico. Poetas mundo afora devem ter escrito inspirados pela ficção científica. Mas não era o seu caso. Aquele disco voador estava na capa do livro, porque ela quis, porque achou bonito.
Daniella Freitas é natural do Recife, é jornalista de formação e contista por necessidade.
Fotos: divulgação.
Sem comentários