Assunto do momento, a Inteligência Artificial (IA) sacode o mundo prometendo mais uma revolução. Fala-se, simultaneamente, em consequências catastróficas e avanços sem precedentes para a humanidade.

Acredito que, dependendo da área de atuação, os benefícios serão enormes. Imagine o progresso no campo da exploração espacial, dos cálculos supercomplexos, da engenharia, comunicação e transporte, por exemplo.   

Mas o que pensar quando falamos em arte? Como imaginar uma composição musical composta por IA? Um quadro, uma fotografia, uma escultura? Qual o limite para esta substituição?

Anos atrás, acompanhei um colega que participava da elaboração e desenvolvimento de uma IA para compor músicas. Conversamos longamente sobre o projeto e eu via seu entusiasmo com tudo e confesso que, em princípio, também achei incrível, até o dia em que ele me fez ouvir o resultado de suas experiências.

Ao término, indiquei todos os estilos envolvidos e as influências, era um mix de Beatles, Creedence, The Monkeys e por aí vai… Meu colega confirmou que os dados inseridos na IA batiam com os artistas indicados por minha análise e aquilo me remoeu por dias.

Era muito estranho saber que por trás do que tinha ouvido não havia uma experiência emocional, um fato que inspirasse, um local que desse início a uma viagem temporal que desaguasse numa melodia ou letra, não haveria tristeza legítima ou felicidade verdadeira em algo feito por uma máquina.

Os cientistas certamente argumentarão que a máquina só transcreve as montanhas de dados inseridos e que esses dados são de experiências reais, ok. Mas onde fica a personalidade do autor que, certamente, contamina sua produção?

Para ser criador, escritora, escultor, cineasta, ator, atriz, compositor, os caminhos da vida e suas entranhas são motor central, são alimentos, não apenas referências já prontas, embaladas e com rótulos: rock + folk + indie.

Criar tem a ver com amor, violência, abandono, decepções, conquistas, morte e renascimento, isso dá sotaque, cor, sabor, imprime personalidade e exclusividade numa obra. Nenhum artista bom vive de criar, apenas, baseando-se nas vivências de terceiros, na sonoridade alheia. Isso é uma pequena parte.

Ao excluir a vida e apostar tão somente nos dados, cria-se uma estranhíssima novidade. Abdica-se da paisagem, para olhar apenas para a estrada.   

Rogerman é compositor e cantor de Olinda. Começou na banda Eddie, fundou a Bonsucesso Samba Clube, gravou 3 discos solo e tem composições nas vozes de Cássia Eller e Nação Zumbi, Lenine, Pitty e Fábio Trummer, Erasto Vasconcelos e Devotos. Também é vasto o currículo de Rogerman na produção cultural.

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O compositor e cantor de Olinda começou na banda Eddie, fundou a Bonsucesso Samba Clube, gravou 3 discos solo e tem composições nas vozes de vários artistas.

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