Há exatos 50 anos, um golpe tirava Salvador Allende da vida e da presidência do Chile.

Tereza Costa Rêgo escutou do apartamento onde morava, os tiros que Allende disparou para se matar assim que percebeu a invasão do Palácio de La Moneda, no motim longamente estudando e planejado pelos EUA.

Depois do AI-5, que rendera um olho quase cego, uma mão quebrada e um pulmão perfurado ao militante, Tereza Costa Rêgo se exilara voluntariamente com o companheiro Diógenes Arruda no primeiro país de gestão socialista, não por uma revolução sangrenta entre classes, mas por vias democráticas.  O presidente norte-americano Richard Nixon tinha interesse no cobre chileno, e também em evitar que a experiência chilena servisse de exemplo e inspiração para o resto da América Latina.

Tereza e Diógenes almoçavam tranquilos em casa – onde, aliás, até meses antes, dividia com eles o teto como também exilado, o compositor Geraldo Vandré, quando ouviram os tiros. Prevendo o obvio, Diógenes foi o primeiro a fugir. Buscou asilo na embaixada da Argentina.

Com documentos legais no país, Tereza ficou por mais tempo. Certo dia, esqueceu do toque de recolher. Voltava, malsucedida, de uma tentativa de conseguir uma passagem na loja da Varig em Santiago. Esquecera do decreto recente e sumário. Sem justificativas plausíveis, qualquer cidadão ou cidadã circulando nas ruas deveria ser preso ou transformado num dos cadáveres diários, adubando de sangue fresco o gramado do Estádio Nacional.

Guardas queriam levá-la a uma comissária. O porte de cavalo de raça, a beleza proverbial metida num casaco de peles a salvou: “Sou filha de um grande general brasileiro que está ajudando seu país a se livrar do comunismo. Me levem até uma delegacia e vão ver!”.

Depois de salva pela mentira em atuação exemplar, Tereza sentou-se num banco de praça para descansar o tremor das pernas. Acordou apenas no dia seguinte. Dentro de um quarto de hospital, soube ter sofrido um aborto espontâneo. Não desconfiava sequer estar grávida no Chile…

Essa história está no meu livro Tereza Costa Rêgo – Uma mulher em três tempos, biografia da artista lançada em 2018 pela Cepe. Tereza viveu por quase três anos no Chile onde a tranquilidade alimentava os projetos artísticos. Deixou para trás 27 quadros na parede quando precisou fugir com os tiros de Allende….

Neste aniversário dos 50 anos do golpe, publicações, discussões e exposições tomam conta do Chile e reverberam aqui no Brasil – país cuja ditadura serviu de laboratório e colaboração para os horrores chilenos.

Recomendo, por razões óbvias e afetivas, a leitura do livro sobre Tereza. A edição física está esgotada, mas é possível acessar o e-book pelo site da editora ou aplicativos de leitura. Spoiler rápido: tenho cem páginas inéditas sobre a vida de Tereza que, quem sabe, entram na segunda edição impressa.

PS: a pernambucana Tereza Costa Rêgo chegou em 28/4/1929 e partiu em 26/6/2020.

PS2: o pernambucano Bruno Albertim é jornalista, escritor e antropólogo.

Foto de Tereza Costa Rêgo em destaque: Daniel Rozowykwiat

Demais imagens: divulgação.

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Edgard Homem

Por aqui transitam a arte e a cultura, o social – porque é imprescindível dar uma pinta de vez em quando, as viagens, a gastronomia e etc. e tal.

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