“Em frente, pois o novo nos aguarda.

Nestes dias, já faz mais de 65 deles que me encontro enclausurado num retiro imposto onde a única opção é a do convívio solitário comigo mesmo, entendi que não estamos enfrentando um único vírus. Existem outros que sempre nos permearam, mas preferíamos ignorar as suas existências. Fazíamos isso sempre nos furtando em olhar mais atentamente para nós mesmos e ainda em só se importar, predominantemente, com o que nos era oferecido como certo, aceitável e promissor.

É bem possível que entender estes vírus, ou questionamentos, ou anseios existenciais, ou prospecções de futuros dados como incertos ou nebulosos eram, ‘perda de tempo’, inaceitáveis na velocidade que o mundo insistia em correr. Tempo para nada e tudo num mesmo tempo.

Estou morando em São Luís do Maranhão há um ano e meio. Vim para trabalhar e tenho descoberto que lugar certo nas nossas vidas é exatamente onde somos produtivos, focados e pertencentes a propósitos maiores do que nossos desejos pessoais. Sinto-me em casa.

E é nesta casa, precisamente um apartamento de sala com varanda, quarto, banheiro e cozinha, que me isolo comigo mesmo e algumas plantas, tendo descoberto tantos outros detalhes de mim; dos pequenos do dia a dia, até consolidações de afirmativas companheiras de tempos. Aproximo-me de certezas. Entre elas, a que os outros são importantíssimos nas nossas vidas. Outros naturalmente selecionados, despreocupadamente fraternos.

E esses outros são feitos, assim como eu, de erros e acertos, formas e cores, gêneros, cheiros e olhares, pensamentos e gestos, opiniões, desejos e dúvidas, alegrias e tristezas, infinitamente diversos, diferentes, ricos, instigantes, respeitosos e plenos. Nada é por acaso e todos tem a sua importância.

O home office se fez realidade, vídeos conferências uma rotina, mensagens e e-mails necessidades ainda mais latentes. Ouvir e ser ouvido, atentamente, captura uma nova forma de se comunicar eficientemente. Incrível isto: ouvir, ato espontâneo do humano, é considerado uma nova forma de eficiência. Não deveria ser, desde sempre, assim?

Falam do novo normal. Acredito nele. Não é fácil, pois de tão novo, pouco pode se dizer sobre ele. Será construído e não imposto. Alguns muitos, relutantes, presos no que eram há menos de três meses, não o perceberão e não querem acreditar. Acredite, será inevitável.

Diferente de outras guerras mais visíveis, nesta a reconstrução será do indivíduo.

Acordei hoje como tenho acordado: inseguro e ansioso. Rezo de imediato, às vezes choro, mas sempre me apoio na luz do dia e encontro forças que nem sei de onde vêm. Apenas vêm.

Força, Foco e Fé.

Em frente, pois o novo nos aguarda”.

André Wanderley
São Luís, 24 de maio de 2020.

André Wanderley é arquiteto.

Edgard HomemAuthor posts

Edgard Homem

Por aqui transitam a arte e a cultura, o social – porque é imprescindível dar uma pinta de vez em quando, as viagens, a gastronomia e etc. e tal.

1 Comentário

  • Texto emocionante….muito bom. SOU SUSPEITO porque sou admirador dele há 37 anos….mas o texto reflete o que sentimos, o que nos aflige e como devemos enfrentar o desconhecido.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

1 × quatro =