1

Antiga tarde,

quase irreal de tão perdida, de tão distante…

Em teu fluir

brinquei menino,

sugando a seiva de cada instante.

Onde teu vento,

onde teu sono?

Que é do balir da ovelha errante?

2

Antiga tarde, por que sumiste

– musa das horas –

do doce alpendre,

do lençol claro,

da bagaceira?

Por que te foste,

se escuto agora

o teu silêncio ferido ao longe

pelo estalo de uma porteira?  

3

Não mais a paz,

o madornar na ampla rede que me embalou,

nem o chocalho

– antiga tarde –

rouco e dolente

do ermo boi que em ti pastou.

4

Não mais o cheiro

– antiga tarde –

de mel cozido jornando a brisa,

quase um manjar.

Nem o cansaço das engrenagens a moer cana,

moendo o tempo

a soluçar…

5

Foi-se o rumor da mataria

– antiga tarde –

e o teu sossego conventual

jangendo as horas,

colhendo o dia na praia verde,

do verde monge canavial.

Tristeza densa

– antiga tarde –

no silêncio abissal de pátios sombrios

com casarões esguios,

janelas góticas de presunçoso olhar.

Mais um retiro de almas prisioneiras da vida,

vagando ocultas entre gente real,

entorpecidas daquela solidão quase lunar.

6

Que é das moças do Engenho Monte

(três amazonas cativas de cismares de amavio,

que à noite inspiravam sonhos à aurora diluídos

na correnteza do rio?).

Quanta aflição

– antiga tarde –

nos olhos negros das três meninas

em disparada pelas campinas,

querendo os sonhos aprisionar…  

7

Ai, meiga tarde,

havia sesta na amplidão,

como se Deus, depois do almoço,

pregasse os olhos no abandono da criação…

8

Havia incenso de ervas dos anjos,

nas ondas lentas do vento irmão.

E o trem das cinco

– antiga tarde –  

rompia a várzea,

deixando um rastro de solidão…

9

Que é da vila

– antiga tarde –

sobre a colina

ao pé do vale,

como um altar?

Casas fechadas,

silêncio enorme,

cavalos tristes em frente ao bar,

zumbir de moscas no ar que dorme,

e o sino choco a repicar…

10

Morte do tempo

– antiga tarde –

do teu encanto

sutil e leve,

que tanto amei.

E eu não cuidava

que eras breve,

como foi breve

o sonho azul

que em ti guardei.

Selênio Homem formou-se em Economia, mas o Jornalismo o fez. Entre outros movimentos, trabalhou no Diario de Pernambuco da década de 1970 a 1990 – passou pela chefia de redação, de editorias e, aos domingos, escrevia esperadas crônicas e, como se vê, também poesias. Esta chegou a mim pelas mãos de Marília, sua irmã, minha tia.

Na foto publicada no Diario de Pernambuco de 14 de setembro de 1983, ele, em discurso, agradece ao receber o título de Cidadão do Recife.

‘Sobre o Recife, direi apenas que me ensinou a sofrer, porque esta cidade é uma lição de sofrimento. E nenhuma amizade é tão pura quanto a que se forja na dor, na expiação’.

Selênio sendo Selênio.  

Ele nasceu em 24 de maio de 1935, em Santa Luzia do Sabugy, Paraíba, e voltou para casa no dia 14 de dezembro de 2015, em Olinda.

 

Edgard HomemAuthor posts

Edgard Homem

Por aqui transitam a arte e a cultura, o social – porque é imprescindível dar uma pinta de vez em quando, as viagens, a gastronomia e etc. e tal.

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